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Renato Dória
O engenheiro agrônomo Renato de Araújo Dória, 58, começou a traçar seu próprio destino quando ainda era criança e vivia no interior de São Paulo. Aos sete anos de idade, quando teve a primeira oportunidade de lidar com bichos e plantas, ele já alimentava o sonho de seguir a agronomia como profissão. Mesmo sem a dimensão das fronteiras que desbravaria pela vida. Um desejo que começou a se tornar realidade ao adquirir uma propriedade cheia de mata nativa, colocar a mudança sobre um caminhão velho e começar a escrever sua história de sucesso em Porto Seguro, 33 anos atrás.
Aqui ele foi pioneiro em experiências no cultivo de mamão, coco, cupuaçu e açaí; criou três RPPNs e participou de importantes ações comunitárias em nome da sustentabilidade. Casado com a também agrônoma, Arlene Oliveira e pai de Heloísa e Juliana - que também está trilhando o mesmo caminho profissional dos pais na faculdade de agronomia - Renato segue traçando planos para o futuro. Sem perder de vista o compromisso com a defesa da vida e o respeito implacável ao meio ambiente.
Que lembranças você tem da sua infância?
Eu nasci em Marília e cresci em cidades pequenas do interior de São Paulo e no litoral, São Vicente. A parte da infância que mais me marcou foi quando eu fui morar em Santa Rita do Passa Quatro. Meu pai era médico e diretor de um hospital colônia e nós morávamos numa casa afastada, que era uma chácara, cheia de plantas, mangueiras, pomar imenso, e eu vivia no meio do mato. Com sete anos de idade eu criava galinha, pato, coelho. E naquela época eu já dizia que queria ter uma fazenda e ser agrônomo.
E como foi a sua vinda para Porto Seguro?
De Santa Rita nós fomos para Jundiaí, uma cidade maior e depois fui para São Vicente, no litoral de São Paulo, onde terminei o segundo grau, fiz vestibular e entrei na USP. Quando eu me formei, fizemos uma viagem para a Amazônia, de lá eu fui para o Pará e do Pará eu vim para a Bahia, porque tinha um amigo que já tinha uma terrinha aqui, aquele da seringueira, perto da Vila Valdete, que eu ajudei a plantar, há 33 anos. Aí eu gostei daqui, fiquei um mês no Arraial d´Ajuda, numa casa de uma velhinha, ao lado do cemitério. Meu pai tinha falado que iria me dar um dinheiro para eu comprar um sítio em São Paulo. Aí eu falei: o dinheiro que você vai me dar para comprar um sítio aqui, eu compro uma terra grande, uma floresta lá na Bahia. Aí eu comprei a terra, do pai do Roni Guerra, e um caminhão velho. Coloquei a mudança em cima do caminhão e vim pra cá, eu, meu irmão, mais um amigo e uma motinha. Isso foi em julho de 83, três dias de viagem. Aí fomos morar na fazenda, num barraco que tinha lá e fomos fazendo uma casa. Demorou um ano, um ano e meio para ficar pronta.
O que ficou pior em Porto Seguro desde a sua chegada?
Porto Seguro era um vilarejo bem pequenininho, onde, como tinha um número muito pequeno de pessoas, todo mundo se conhecia, era bem harmônico. O povo era o nativo daqui, que tinha orgulho de ser porto-segurense e se relacionava muito bem. Não tinha grandes negócios, a cidade não tinha uma economia, estava no final do ciclo da madeira. Então era bem sossegado. As praias eram desertas, não tinha barracas. E na época estava se iniciando o turismo, com os hippies, os alternativos, os estudantes. Era uma vida bem gostosa, à vontade, não tinha mendigos, nem problemas de segurança.
E como foi o novo caminho acadêmico que você seguiu depois?
Aí que entrou a Arlene. Eu me formei em 82, vim pra cá seis meses depois e fiquei 10 anos aqui, morando na fazenda, sem eletricidade. Minha mãe morou com a gente um tempo lá, depois ela e meu irmão foram para São Paulo. Eu fiquei mais um tempo lá e depois fui morar no Apaga Fogo, em 89, 90. Lá eu conheci a Arlene e decidi ficar com ela. Eu estava muito entocado no mato e conhecendo ela eu conheci mais de perto o trabalho da Embrapa. Ela trabalhava em Cruz das Almas e fui passar um tempo lá. Como ela trabalha no Centro Nacional de Pesquisa em Mandioca e Fruticultura, eu fiquei por lá e achei interessante. Lá tem uma faculdade de agronomia e eu decidi fazer um curso de pós-graduação em fruticultura tropical. Naquela época eu plantava mamão e os pesquisadores de lá estavam vindo pra cá, e o Sul da Bahia era a maior área produtora de mamão do Brasil, e ainda é.
Por que você deixou o mamão para plantar coco?
Cada cultura tem suas nuances e se encaixa com a personalidade do agricultor. Tem caras que só querem produzir alimentos orgânicos, outros gostam de trabalhar com muita tecnologia, outros utilizam muito veneno. E o mamão é uma cultura muito intensa, você tem que comercializar, senão ela amadurece, estraga e você perde aquela fruta. No início do ciclo era uma cultura rentável, mas durante oito anos cultivando o mamão eu fui tomando consciência das dificuldades de comunicação, transporte, a venda era difícil, e aumentou o uso de defensivos que é algo que eu não gosto muito. A partir da década de 90, o coco verde era muito caro na praia e a gente visualizou um mercado interessante. Aí eu decidi plantar coco verde e foi uma decisão interessante, era uma planta mais rústica que o mamão, não tinha tantos problemas de doenças e pragas.
E daí até passar para o cupuaçu e açaí?
Quando começamos a produzir, já tinha outras pessoas plantando coco e resolvemos criar uma associação, quando o Everal era secretário de Agricultura. Nessa vivência eu percebi que o coco teria uma expansão muito grande, como teve, e que depois de alguns anos a oferta seria maior que a necessária. Aí eu falei: “preciso encontrar uma cultura alternativa”. Na Amazônia eu conheci o cupuaçu e o pessoal da Embrapa estava fazendo pesquisa com a planta aqui na região, fui lá visitar, gostei pra caramba e vi que o negócio funcionava bem. É uma cultura que não usa defensivos, porque não tem praga nem doença. Aí plantei no meio do coco, porque também é uma cultura de sombra e deu certíssimo, hoje tem lá 13 mil pés de cupuaçu, 60 hectares. E aumentou muito a aceitação no Brasil todo.
E como o açaí entrou na história?
Com o cupuaçu eu montei uma pequena fábrica de polpas, legalizei tudo, registrei no Ministério da Agricultura, criei rótulos, embalagens, código de barras, inclusive com a ajuda do Jornal do Sol, para ser comercializável no Brasil todo. E essa despolpadeira foi montada inicialmente para o cupuaçu, mas ela estava com folga de produção. E nesse início de milênio eu visualizei também o açaí, que cresceu muito o consumo, vinculado ao cupuaçu. Aí pesquisei bastante e vi que é outra planta que não tem pragas e doenças significativas. Eu comecei a voltar a minha agricultura para uma agricultura de menor impacto ecológico, lançando mão de armadilhas ecológicas. E no cupuaçu, que plantamos há 18 anos e açaí, há oito anos, o uso de defensivos é zero.
E ser casado com uma agrônoma, ajuda ou atrapalha?
Só ajuda, porque além do apoio que ela sempre me dá, ela é uma ótima fonte de informação. Ela trabalha mais com banana, maracujá, abacaxi, outras frutas, mas ela tem amigos e me informa os canais de informação, está sempre me ajudando em tudo.
Você criou RPPNs na fazenda. Porque essa decisão e o que você ganha com isso?
Eu criei três RPPNs, em 2001. A fazenda tem 640 hectares e cerca de 50% é de floresta original, o equivalente a três quilômetros quadrados, que há 20 anos não se mexe. E eu sempre fiz ações com os trabalhadores, de não espalhar lixo pela fazenda, cuidar do meio ambiente, não caçar. Então quando apareceu essa história de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), há 15 anos, eu falei, “eu me encaixo nisso aí”. É tudo registrado em cartório, não se pode derrubar uma árvore de Mata Atlântica, como está na Constituição. Mas nessas áreas eu posso fazer ecoturismo, trilhas, ações ambientais. Tenho o status de preservador do meio ambiente o que conta pontos a favor dos meus produtos, considerados ecologicamente corretos, e isso me ajuda também a conseguir certificações internacionais. E é a mais pura verdade, a gente preserva mesmo.
O que você ainda pretende fazer na agricultura?
Em sempre tenho planos. Eu tenho três culturas na fazenda, que é o coco, que pode ser verde ou seco; o cupuaçu, que tem a polpa, e a semente dele é um cacau; e o açaí. São três produtos de excelente qualidade, que têm um valor muito bom. Os meus planos futuros são no sentido de agregar valor a esses produtos, processando a semente do cupuaçu para fazer o cupulate, que é um chocolate de cupuaçu. Quero fazer também alguns sucos já prontos para o consumo, derivados da polpa de açaí e cupuaçu, que já produzimos. A fazenda está muito próxima da cidade e tem facilidade de oferecer trabalho para as pessoas da periferia e também de contar com essa mão de obra.
Qual a maior dificuldade em ser produtor rural em Porto Seguro?
Antes tínhamos muitas dificuldades com a comunicação, o transporte, os acessos. Hoje, as prefeituras têm dado uma atenção para as estradas rurais. Atualmente a mão de obra tem sido um fator limitante. Não sei o que acontece, mas os jovens não querem trabalhar em fazendas, acham que é um trabalho inferior. E pelo contrário, é um serviço bem mais digno e faz mais bem para a saúde do que uma fábrica, por exemplo.
E a maior recompensa como produtor rural?
É a colheita! O Sul da Bahia tem o melhor clima do Brasil. Não temos invernos nem verões rigorosos. Temos chuvas abundantes, sol pra caramba, tudo o que as plantas precisam, e a gente também. Então aqui é um clima ótimo para a agricultura e para os agricultores que se dedicam, porque você cuidar de uma planta é como cuidar de uma criança. Você tem que tratar muito bem na infância, até colocar na produção. E depois que está produzindo, você continua tratando. Então uma planta é como um filho, você não pode descuidar nunca.
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