Crianças e periquitos nas praias escondem grave problema social

Trabalho infantil e maus tratos aos animais nas praias da cidade

Em Porto Seguro e Arraial d’Ajuda um fato aparentemente corriqueiro tem incomodado ambientalistas e representantes de ONG´s: crianças vendendo pulseirinhas de artesanato na praia e levando consigo periquitos australianos para servir de atração para turistas e, quem sabe, descolar um trocado com a venda das aves. A cena pode parecer bonitinha e natural, mas esconde graves problemas, como a exploração do trabalho e a vulnerabilidade infantis, além do risco de maus tratos aos animais.

O pedido de ajuda para resolver a questão parte de ONGs preocupadas com a integridade infantil e com a saúde dos animais, e é de onde surgem as iniciativas de resgate de crianças e bichos, naturalmente tão indefesos. Conforme pontua a coordenadora do Instituto Mãe Terra, Flaelma Almeida da Silva, do ponto de vista social, o mais perigoso é crianças, neste caso, geralmente são indígenas, estarem vulneráveis, à disposição de um comércio e dos perigos de exposição ao sol, aos adultos e ao trabalho infantil.

“A criança poderia estar em um lazer com seus pais, dentro de uma escola ou em um projeto, aprendendo, reforçando suas qualidades como uma arte, não para a venda. Tanto é que é proibido ensinar algo que faça com que ela venda. O periquito é uma forma que a criança arranjou de chamar atenção. A gente não pode privilegiar o periquito antes da criança”, alerta.

Clamando no deserto

O assunto merece atenção e coloca em cheque a capacidade do poder público quando se trata de proteger os indefesos envolvidos. Juntamente com outras ONGs de defesa dos animais, Cíntia Campeche, voluntária do grupo Arraial Amigo Animal e representante do segmento no Conselho de Meio Ambiente do município, tem mostrado que se sente, muitas vezes, clamando no deserto.

“Por diversas vezes já citamos essa situação no grupo do Conselho de Meio Ambiente e nas reuniões. Mas é uma situação transversal, porque estamos falando de um trabalho conjunto de várias secretarias. As aves sofrem maus tratos e, apesar de não serem animais da fauna silvestre, também são protegidos pela lei brasileira, que prevê animais silvestres, domésticos, domesticados, exóticos e em migração. E aqui em Porto Seguro temos um pouco caso da gestão pública. A gente vai de secretaria em secretaria. O Centro de Zoonoses e a Secretaria de Meio Ambiente nunca podem fazer muita coisa, ficam jogando de um lado pra outro, nunca solucionam o problema de fato”.

Cíntia relatou ainda que há casos de turistas que compraram algumas pulseirinhas e periquitos e acabaram abandonando os animais. “Eles estavam com asas cortadas. Os turistas chegaram com as aves na pousada e ao perceberam que não iam poder embarcar com elas, deixaram então no quarto do hotel. Uma das recepcionistas adotou”, conta. Devido à complexidade, a protetora destaca que é necessário contar com a boa vontade de setores fundamentais.

 “A gente precisa ter a Secretaria de Assistência Social e Trabalho, porque estamos falando de crianças trabalhando; da Secretaria de Turismo, para que ela avise aos turistas para não serem cúmplices dessa prática e também das barracas de praia, onde as crianças passam, para que não permitam que fiquem. A situação é delicada, já que envolve crianças e famílias carentes.” Segundo ela, na última reunião do Conselho de Meio Ambiente,  em novembro, a SEMA ficou de encaminhar ofícios para outras secretarias e CIPPA, para que trabalhem em conjunto.

Após o Verão, Cíntia espera, com a ajuda de outros protetores, organizar um fórum de bem estar animal e provocar no poder público a criação de uma órgão ou setor que dê um suporte para as ONG´s da região. “Se houvesse uma campanha efetiva para coibir esse tipo de prática, talvez já tivesse resolvido”, aposta.

Trabalho infantil

O Instituto Mãe Terra é uma organização sem fins lucrativos que atua há 11 anos na Costa do Descobrimento e, em 2018, apresentou resultados do “Projeto Filhos da Terra: um despertar para a educação cidadã”, realizado em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Porto Seguro (Comdica), mostrando o universo de crianças e adolescentes submetidos a condições semelhantes ao trabalho escravo.

Segundo Flaelma, O relatório registrou que, da amostra geral de 1.165 crianças, 40,04%, ou seja, 468 crianças (de 6 a 11 anos) declararam e/ou demonstraram estar em situação de trabalho infantil. “Um universo bem superior ao registrado no Censo SUAS (2017) do município que informa apenas 30 famílias”, alerta.

Comentários   

# Venda ilegal de avesCristina Assunção 29-11-2023 15:31
"Estamos em novembro de 2023! Há 22 anos frequento Arraial d'Ajuda e só vejo esse problema aumentando a cada dia! Estou impressionada e chocada com a quantidade de adolescentes vendendo pulseirinhas com os periquitos empoleirados em bambus, com as asas cortadas de sol a sol dia todo! Isso é crime e pelo visto o Poder Público de Porto Seguro não está ligando a mínima. Lamentável!"
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# Crianças e pássarosClaudio Vasques Navarro 10-08-2022 16:06
"Não são crianças não, são marmanjos, pessoas sem nenhuma noção de responsabilidade com os animais. Sob o sol o dia todo, chacoalha pra lá e pra cá, sem alimentação, os bichinhos não tem sossego. Um absurdo! Só compro de quem não faz isso, se todos fizessem isso acabaria e as pessoas continuariam sobrevivendo."
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# Em 2021 o problema continua o mesmoShaene Marques 09-10-2021 00:41
"Reparei que a notícia é do ano de 2018. Vim de férias à Porto Seguro em outubro 2021 e mantém-se o trabalho infantil e a exploração dos pássaros. Triste cenário."
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