Ilma Ramos Santos Falcão

A advogada Ilma Ramos Santos Falcão, 51, nasceu em Taguatinga/DF, mas tem alma e coração porto-segurenses. Um dos seus orgulhos é dizer que a família é natural da Terra Mater, o que se estende por várias gerações. Com um invejável currículo que inclui a luta pela criação e a liderança de várias entidades e associações comunitárias, Ilma é hoje Conselheira Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente do Clube da Melhor Idade Alegria de Viver. Mãe de Antônio Valdo Júnior, 28, Alexandre, 26 e Augusto, 22, essa guerreira faz a diferença ao levantar a bandeira da luta por justiça no relacionamento entre patrões e empregados, mas, acima de tudo, na defesa dos direitos humanos.
Como sua família chegou a Porto Seguro?
A minha família é de Porto Seguro. A Casa da Lenha era do meu bisavô. Não era Casa da Lenha. Recebeu este nome porque houve um período em que ficou abandonada e Jacó pegava as lenhas e guardava nesta casa. O nome original é Solar dos Ramos. Quase todas as famílias porto-segurenses são meus parentes. A Filarmônica é da minha família, o estaleiro de barcos começou com meu bisavô, a Farmácia Zelito Vieira, que foi uma das primeiras, era de um ascendente dele e parou com ele. Minha família toda é de Porto Seguro.
Como foi sua infância na cidade?
Quem conseguiu ter a infância como a minha jamais vai ter depressão ou ansiedade, porque foi muito alegre, muito criativa. A gente participava de várias peças teatrais, era todo mundo igual, não tinha distinção, a gente brincava na rua, em árvores. As amendoeiras eram nossas casas. Brincávamos de comadre, íamos visitando as outras nas suas casas, que eram os galhos das árvores. Pulávamos do trampolim do cais, jogávamos bola na Coroa. Naquela época não tinha balsa, só a embarcação de seu Carlinhos. Quando ele transportava as pessoas e a bola da gente caía no rio, ele passava e pegava. As escolas (públicas) funcionavam de forma satisfatória. Eu estudei a minha vida toda em escola pública e não reclamo disso. Sou a favor do ensino público gratuito. Quando criança, todas as nossas salas de aula eram reformadas pela Marinha, todo ano tinha motivo para estar na sala de aula, porque estavam todas limpas, arrumadas, muito bonitas. O colégio municipal e o estadual eram num local só. Depois separou. Foi uma infância muito feliz. Família, a gente faz a festa.
O que melhorou e o que ficou pior nos dias de hoje?
O progresso é inevitável. Tanto o espiritual quanto o material. Se você for fazer uma pesquisa com seus antepassados, como eles passavam roupa, como lavavam prato, vai ver essa evolução. No tempo da minha avó, os ferros de passar eram com brasa e fole. Eu acho que economicamente, a cidade melhorou. Era uma cidade pacata, as pessoas ganhavam pouco e viviam uma vida simples. O capitalismo não estava tão entranhado antes do boom turístico.  A vida era mais calma, mais segura, as delegacias não tinham ninguém presos. Muitas festas culturais, as pessoas viviam em paz, com portas abertas, não tinham medo de ladrão, era tudo pela amizade. Íamos de casa em casa cantando: “Ô dona da casa, por Nossa Senhora, dá-me de beber”. No Carnaval tinha umas caretas na rua. Em Porto Seguro só havia quatro bairros: Pontinha, atual Passarela do Álcool; Ponta da Areia, da Igreja Nossa Senhora do Brasil até a Praça da Bandeira; a Passagem, na atual Praça da Bandeira, era onde eu morava, e o Paquetá. Não existia o Pacatá. A gente disputava baleado e futebol. Era muito calmo. Quem viveu aqui naquela época não tem do que reclamar.  Mas ainda acho que o turismo poderia ser bem melhor, porque é o mais barato do país. As pessoas que vêm para cá gastam pouco, numa cidade tão maravilhosa como a nossa, não é? Mas o progresso melhorou a qualidade das escolas e as possibilidades de estudo.
Onde você se formou e porque a opção pelo Direito Trabalhista?
Quando eu era criança não queria ser professora. Naquela época ou casava logo cedo, ou se tornava uma professora. Tinha um curso na Emarc (Escola Agropecuária Regional da Ceplac). Aos 16 anos, passei no curso de Engenharia de Alimentos, em Uruçuca. Na minha época a gente conseguiu levar a Emarcs a outros lugares, como Valença, Itapetinga e Teixeira de Freitas. Fiz vestibular para Direito, por sugestão do meu irmão e passei. Na época era a Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi), hoje Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Eu me formei em 1987 e a nossa turma foi quem levantou a bandeira da estadualização da universidade. A opção pelo Direito Trabalhista é porque conheço meu lado inquieto. Gosto que as coisas andem, principalmente no poder público. Ele tem que funcionar da melhor forma possível, porque quem trabalha lá ganha do povo para isso. Morei em Itabuna, casei e voltei para Porto Seguro, onde quase todo mundo que trabalhava no fórum era amigo de infância. E pensei: sabe de uma coisa, para não criar indisposição e inimizades, vou optar pela Justiça do Trabalho, que era em Eunápolis. Todo mundo quando se forma é um clínico geral, não é? Foi muita ousadia minha optar por uma área e ficar nela até hoje. Eu ia e voltava todos os dias. Cheguei à presidência da OAB, queríamos trazer a Vara de Trabalho de Porto Seguro e conseguimos. É a primeira vara daqui da região com nome de um advogado, porque todos têm nome de juiz. A gente conseguiu homenagear o advogado Gilberto Gomes. E agora não preciso ir até lá. Hoje faço parte do Conselho Estadual da OAB, buscando melhorar o aparato jurídico da nossa cidade e do nosso estado, para que a gente possa tentar como parceiros, melhorar os serviços jurídicos de todo o estado e quiçá de todo o Brasil.
Quais são as principais queixas dos trabalhadores que você atende?
Todos os direitos trabalhistas. Aqui, a maioria deles não é respeitada. Quando eu comecei era bem pior. Hoje, a cada dia está melhorando. Na minha época, nem os sindicatos funcionavam; hoje eles estão atuando. Quando a classe se organiza, as coisas acontecem. Hoje tem sindicatos patronais e de empregados. Eles se queixam mais de falta de recolhimento de FGTS, de previdência, coisas básicas. A maioria deles extrapola horário de trabalho, jornada extraordinária, sem pagamento das parcelas. A Justiça do Trabalho está aí para garantir as necessidades básicas, porque as ações trabalhistas têm caráter elementar e por isso têm que ter celeridade. Muitas vezes a pessoa fica sem comer, porque está com o salário retido. As empresas não estão cumprindo com as obrigações de empregadoras, como pagar aviso ao demitir, depositar o FGTS ou liberar seguro desemprego. Algumas dispensam mulheres grávidas, mas as arbitrariedades estão diminuindo. Isso significa que a cidade está se conscientizando e respeitando mais os trabalhadores.
E quais são as reclamações dos empresários?
O excesso de encargos, são vários encargos. Está muito caro manter um empregado. É disso que eles reclamam. Numa cidade de economia sazonal fica difícil. Ganha-se durante três meses do ano, para aguentar os doze.
Conte um pouco da sua experiência comunitária em entidades locais
Sou uma ativista social. Sempre gostei de provocar mudanças para melhor. Porto Seguro é a cidade mais antiga do país, por isso tinha que ser a vitrine do mundo. Tudo tinha que ter aqui e ser ramificado para outros lugares depois. Conseguimos trazer a Delegacia da Mulher. Por que Porto Seguro não tinha uma Delegacia da Mulher? Há quantos anos havia sido criada? Mas até hoje, a delegacia trabalha de forma precária, porque não temos casa abrigo, assistência, um aparato para que ela possa funcionar. Ela funciona com o espírito de Hércules das delegadas que têm estado lá. A sociedade foi quem construiu a delegacia. Um espaço que já existia e a gente reformulou para funcionar como a Delegacia da Mulher. Algumas pessoas deram portas, outras doaram ladrilhos, foi uma luta grande da sociedade unida para ver funcionar. Agora a luta é para trazer a Delegacia do Idoso. Se tem em outro lugar, tem que ter aqui. Se dá certo em outro lugar, porque não pode dar certo aqui? Já existe Delegacia da Infância e da Adolescência, mas aqui não tem até hoje. Não temos uma Delegacia de Meio Ambiente. A tão almejada Universidade Federal, quando eu estive na presidência da OAB (por duas gestões, de 2003 a 2006), mandamos mais de cinco mil assinaturas, na época, em prol da causa. No Clube da Amizade, que era uma associação só de senhoras, tínhamos 33 mulheres. Oferecíamos aula para portador de deficiência visual, trouxemos o Braille para cá e depois de tudo instalado, deixamos a tarefa com o município, de quem é a responsabilidade. Tinha aula de tricô, costura e atividades de evangelização com temas transversais. O Clube da Amizade, formado desde 1980, empresta a sede ao Clube da Melhor Idade, que tem 17 anos. Quando Sila era presidente, eu ajudava. Com o falecimento dela, fui eleita presidente do Clube da Melhor Idade, já que o nosso estatuto diz que acima de cinquenta anos já pode participar, votar, ser votado. Temos aproximadamente 100 membros, fazemos reuniões mensais, com ciclo de leitura, reflexões, dinâmicas, e também fazemos festas temáticas de aniversariantes, como bolo, festa, dança e muita alegria. A primeira associação de professores de Porto Seguro tem a minha contribuição, porque eu também fui professora aqui.
Você foi candidata à prefeita. Qual foi a grande lição dessa experiência?
Foi em 2003. A experiência foi válida, veio o anseio popular, todo mundo buscando. Eu era filiada ao PT e quando você está filiado a um partido, você fica à disposição dele. Na época houve um clamor, e surgiu meu nome. Eu acabei ganhando nas prévias e fui escolhida. Foi bom porque eu conheci esse município de ponta a ponta e vi que a carência é grande. Já melhorou um bocado. Antes tinha problema de distribuição de energia, de água, muitas fazendas não tinham energia, mas com o Luz para Todos melhorou muito. Foi um aprendizado, uma luta válida. É importante, mas hoje eu não valorizo mais partido.  E hoje, há um descrédito popular. O PT poderia ter feito grandes melhorias em Porto Seguro, já que teve a gestão de Lula, tem a gestão do estado e a de Dilma a favor. Mas não houve grandes mudanças. Gosto da frase: “Somente aprende quem tem coragem de abandonar o velho e mergulhar de cabeça no novo, mesmo com toda vertigem que o salto provoca”.
Como presidente do Clube da Melhor Idade, o que falta para o idoso viver melhor em Porto Seguro?
A primeira coisa é ter os seus espaços respeitados. Saúde de qualidade, prioridade no atendimento, lazer voltado para o idoso, espaços físicos já preparados para ele, sinalização de rua, um Conselho Municipal do Idoso forte, uma Secretaria Municipal do Idoso forte. Quem acredita um dia chega lá. Para ter os seus direitos respeitados, o idoso precisa ter todo o aparato.
E o que falta para Porto Seguro ser uma cidade melhor para quem vive aqui
Segurança, o tema mais comentado nessa época, porque as pessoas andam muito temerosas. Tanto assalto e tanta morte! A gente não pode culpar o aparato policial, porque é muito reduzido para um município tão grande como o nosso. Só melhora na época de Carnaval e Réveillon, mas isso deveria ser constante. Policiais em todos os bairros, com viaturas nas ruas. Quando eu era criança, as polícias faziam ronda a pé, hoje eu não vejo mais esse tipo de ronda. E nas praias não temos salva-vidas.  A natureza foi bem generosa com a nossa cidade, mas precisamos gerar mais emprego e renda, para que todo mundo possa suprir suas necessidade básicas, como alimentação e moradia.

Jogo Rápido

Signo: Libra

Um hobby: cinema

Um cantor: Caetano

Um livro: Admirável Mundo Novo

Um prato predileto: mariscada

Uma bebida: água de coco

Um prazer: dançar

Um lugar especial em Porto Seguro: praia de Ponta Grande

E fora de Porto Seguro: Guaiú, em Santo Andre, Santa Cruz Cabrália

Uma pessoa especial: minha mãe, Ivone, de 80 anos

Uma personalidade da cidade: admiro meu irmão Aziz Ramos

O Direito é: essencial à vida

A justiça é: primordial

O trabalho é: fundamental

Uma causa ganha: três filhos maravilhosos

Uma causa perdida: perda de irmãos

Um arrependimento: nenhum

Um medo: nenhum

Um orgulho: criar três filhos maravilhosos, conscientes e em busca de uma igualdade social

Um agradecimento: à família. Se hoje sou o que sou é graças à família

Uma mágoa: nenhuma

Um sonho: ver que as oportunidades cheguarem a todos, sem distinção.

Uma qualidade sua: alegria

Um defeito: falar demais

Como você se define: uma pessoa alegre, proativa e satisfeita com a vida, porque me considero profissionalmente bem sucedida, uma mãe bem sucedida, uma irmã.

Felicidade: é a paz de espírito, de consciência

 

 


Entrevista publicada na edição 346, março/14