Quando veio passar as férias no Arraial d´Ajuda, em 82, o empresário paulistano, Heitor Siqueira, 58 anos, não imaginava que um simples vilarejo - onde se chegava a bordo de pequenas canoas – poderia provocar mudanças tão profundas em seu destino. Uma bem sucedida história de vida, que ele começou a escrever com a construção da pioneira Pousada Caminho do Mar, na estrada do Mucugê. Hoje, a pousada dá lugar à Praça Caminho do Mar, uma criativa mistura de shopping, com point gastronômico e espaço cultural, no coração da mais charmosa esquina do mundo. Não por acaso, é no Arraial d´Ajuda que o coração dele bate mais forte. Foi aqui também que ele liderou, junto com outras pessoas valorosas, lutas gloriosas para proteger o Arraial e melhorar a vida de muita gente. É onde ele se orgulha de ter construído uma de suas maiores conquistas, a família, ao lado da esposa e psicóloga Renata Coji e dos filhos Lucas e Ricardo.
Onde você nasceu e que recordações você guarda da sua infância?
Eu sou paulistano, da capital, mas sempre morei num bairro tranquilo, afastado do Centro, parecia interior. Quando eu tinha 2, 3 anos de idade, passava boi na frente da minha casa. Era capital, mas perto do Horto Florestal de São Paulo, muita área verde. Então foi uma infância quase de interior, eu diria. Muita brincadeira, bicicleta, espaço para mexer na terra. Foi uma boa experiência.
Como começou sua história com Arraial d´Ajuda?
Eu fazia faculdade, trabalhava no Banco do Brasil e nas minhas férias eu combinei de vir pra cá com alguns colegas que já conheciam a região. Em janeiro de 82, a gente veio de carro e chegamos à noite em Porto Seguro. Mas não era uma noite bonita, a gente dormiu mal, numa pousada do Centro. Aí no dia seguinte resolvemos passear e atravessamos a balsa. Eram aquelas canoas, com duas taboas em cima. A gente sabia que existia o Arraial d´Ajuda e queríamos um camping. Aí chegamos na Praça da Igreja e a primeira pessoa que eu coversei foi com o Frei Miguel. Quem conheceu sabe que deve ter sido uma apresentação interessante. Ele estava sentando na sorveteria, chupando picolé, já tinha aquela barba enorme, estava aéreo, sabe lá em que nuvem, e sugeriu que a gente alugasse uma casinha, que era melhor que camping. Aí eu passei um mês em uma casa na Bróduei. Imagine, naquele tempo dava para dormir na Bróduei e às 11 da noite acabava tudo. Ficava duas, três lâmpadas acesas e a maioria das pessoas acampava lá na Bela Vista, que é a rua atrás da igreja, e na praça São Braz. Mas as casinhas de pescador saíam tão barato quanto o camping. E assim começou minha história com o Arraial d´Ajuda.
E daí até decidir vir morar de vez?
Essa história parece história de escritor, mas eu não sou escritor. O Arraial mexeu muito com minha cabeça, adorei as férias e voltei pensando num monte de coisas. Mas enquanto eu estava aqui não pensei em morar, não fui ver terreno. Só que no último dia, eu tive uma febre e viajei super mal para São Paulo e lá eu continuei tendo febre todos os dias, às 6 da tarde. Fui ao médico, fiz exames e não passava a febre, durante vários dias. Aí eu comecei a brincar que dava para fazer uma pousada em Arraial d´Ajuda, que era um lugar interessante, que as pessoas estavam descobrindo. Mas por acaso um amigo do meu irmão ouviu a conversa e disse “eu tranquei a faculdade, quero montar algum negócio e vou ser seu sócio”. Então uma brincadeira tomou um ar de coisa séria. Aí na Semana Santa de 82 a gente voltou pra cá, aí sim, para pesquisar.
E a febre?
Do dia que ele falou que queria ser meu sócio, a febre passou. Verdade! Vimos eu e esse amigo do meu irmão e meus dois irmãos, que ficaram curiosos e acabaram vindo também. Em maio de 82 eu voltei pra comprar o terreno. O amigo do meu irmão deu pra trás, ele serviu para dar o start, para passar a minha febre. Aí eu e meus dois irmãos compramos esse terreno aqui na rua do Mucugê. O procurador do dono era o Sr. Pedro Deiró, um figura importante em Porto Seguro, e ele me elogiou: “nossa, você tão novo assim, vai comprar um terreno em três parcelas!”
Era um investimento alto?
Quando eu fiz a Caminho do Mar, eu calculo que foi a sétima, oitava pousada do Arraial. Tinha a Pousada do Campo, a da Boa Preguiça, que era a melhor naquela época. Era um terreno barato, uma construção barata, porque era tudo rústico, então era um negócio alcançável para a minha realidade. Eu imaginei que eu viria por 3, 4 anos, e na baixa temporada eu voltaria para São Paulo. Enquanto tivesse bom eu iria ficando. Eu continuo dizendo, enquanto tiver bom, eu continuo morando no Arraial d´Ajuda.
E o casamento, foi quando você já estava aqui?
Dessa compra acabou surgindo a Pousada Caminho do Mar, que acabou ficando bem conhecida. A gente teve uma história de sucesso, era muito bem localizada, na época eram menos pousadas, era menor a concorrência. De uma certa maneira, a Caminho do Mar foi pioneira e criou um estilo. Nos primeiros anos eu viajei algumas vezes e aí eu conheci a Renata, minha esposa, que foi hóspede na Caminho do Mar. Tínhamos amigos em comum em São Paulo, mas a gente veio se conhecer aqui. Em uma semana a gente estava junto. Eu fui depois pra São Paulo, fiquei um ano lá e em 89 viemos pra cá de vez. Aí vieram os filhos, e uma das minhas maiores alegrias foi ter conseguido viver num Arraial d´Ajuda – eu e muitas pessoas que batalharam por isso – que fez uma molecada de cabeça boa.
E quais são os desafios de criar filhos aqui?
A gente costuma dizer que os empreendedores sempre saíram na frente do poder público. Quando precisava de luz numa rua, os empresários ratearam e colocaram a luz, quando precisava ter água, fazia poço, e o poder público sempre veio atrás. Numa cidade que cresceu muito rápido também, as coisas sempre foram difíceis. Ou seja, existem as dificuldades, mas isso também dá uma bagagem de vida importante. A gente construiu o nosso lugar. Tínhamos dificuldades de escola e formos atrás de construir uma escola no Arraial, eu e várias outras pessoas. Um grupo de pais, por exemplo, construiu o CEAD, que é uma excelente escola, tanto que dá uma tranquilidade para as famílias, inclusive de europeus, de vir morar aqui e saber que temos uma boa escola. Sempre foi difícil, mas a gente tinha que arregaçar as mangas e fazer acontecer.
Você transformou a Pousada Caminho do Mar na Praça Caminho do Mar. Pousada deixou e ser um bom negócio no Arraial?
A gente precisa se mexer. Não acho que pousada deixou de ser um bom negócio, mas a Caminho do Mar, com 28 anos parou de funcionar, e naquele momento, a mais antiga do Arraial d´Ajuda, precisava passar por uma grande reforma. Janeiro de 2011 foi um ano que me balançou. Eu tive seríssimos problemas com vizinhos da pousada e foi uma das minhas maiores decepções, com todos os anos em que eu me envolvi com política, em entidades, associações, em lutas por direitos. Quando eu precisei fazer valer um direito meu, simplesmente não funcionou. Cheguei a pensar em ir embora do Arraial d´Ajuda. Por outro lado, sendo uma pousada muito antiga, ela ia demandar uma reforma, com um investimento alto, porque eu teria que melhorar os apartamentos, modernizar equipamentos. Nessa hora você não pode ir só pela tradição. Já que eu teria que demolir uma parte e praticamente refazer quase toda, eu teria que pensar se era o melhor negócio naquele momento. E a pousada estava no centro do centro do centro da rua do Mucugê. A praça era uma oportunidade comercial muito interessante, que ainda está em implantação, precisa se consolidar em uma série de aspectos. Ela vai sendo conhecida, se tornado um espaço cultural, mas aponta para ser um excelente negócio também. São 20 lojas, como um mix de um centro comercial, com a parte de gastronomia, bares, lojas, farmácia, venda de ingressos do parque aquático, conveniência, sorvete, apresentações culturais, de tudo um pouco.
Como foi a sua inserção nos movimentos comunitários e qual é saldo disso?
A minha história em São Paulo, na universidade, já tinha uma participação política voluntária. Aqui no Arraial eu sempre tive a sensação de que, se por um lado, tinha muita coisa para ser feita, também é um lugar pequeno que permitia que a gente pudesse fazer. A gente sempre trabalhou junto, um grupo antigo, que podia influir. Hoje eu vejo uma renovação,com o pessoal do Observatório Social.. Em 84 eu fui fundador da Sociedade Amigos do Arraial, aliás eu fui o fundador de quase todas as entidades aqui do Arraial. Naquela época a Sociedade Amigos era quem brigava e cuidava de tudo. O grande ganho foi a preservação da área do Parque Central. A gente não conseguiu construir o parque, mas por outro lado conseguimos impedir invasões por quatro vezes, e uma série de coisas que poderiam ter acabado com o Arraial d´Ajuda. Não foi 100% sucesso da luta, não coseguimos construir por uma insensibilidade de todos os gestores que passaram por aqui. Tem delegacia, escola, cemitério, a feirinha, o estacionamento, a área da festa da santa. Ou seja, o Arraial d´Ajuda, do tamanho que ele é hoje, não caberia na Praça da Igreja, ou na praça São Braz. O parque é fundamental, mas o parque deveria ter sido arborizado, ter ciclovias nos caminhos, um lugar para as famílias passearem com seus filhos, para ser mais de uso e não apenas de passagem. Se ele fosse um lugar de convivência, ele aproximaria muito mais o bairro do Centro, integrando o Arraial d´Ajuda num só. Um dia, quem sabe, ele ainda acontece. E as outras entidades, a Sociedade Pró- Turismo, que organizou os empresários, a gente foi à Bahiatursa, colocar o nome do Arraial d´Ajuda no mapa; tem o Cedav, que tem sempre a discussão sobre a emancipação. E o Acordo Mucugê,, que eu julgo de bastante sucesso, porque é uma ação que reúne empresários, que há 12 anos se cotizam para melhorar o Arraial. É difícil você ter essa longevidade, essa eficiência e tem uma profissionalização. A rua do Mucugê foi feita, pensada e vem sendo construída, não é por sorte ou por acaso. Foi um trabalho consciente de muita gente que contribuiu. Mais de 100 empresários se mobilizaram, com grandes resultados. Tanto que no Tripadvisor, a rua do Mucugê, está sendo colocada como a atração nº 1, mesmo o Arraial sendo um destino de praia. Se isso não é sucesso, eu não sei o que seria.
Você já se envolveu com a política oficial. O que você levou dessa experiência?
Todos os caminhos que levam a gente a tentar influir, depois das entidades, seria um passo natural, inclusive numa época em que a política era um pouco mais fácil. Eu fui duas vezes candidato a vereador, fiquei de suplente, e em 2000 fui candidato a vice-prefeito pelo PV, numa chapa de oposição que poderia ter mudado a história de Porto Seguro. Aziz era o candidato a prefeito, numa chapa que reunia 6 partidos de oposição. A gente tem uma suposição que ganhamos as eleições, mas as fraudes nos títulos, isso aí a história vai contar. Até essa época eu acreditava que seria uma maneira de fazer, mas a política foi ficando muito profissionalizada e cara. Depois eu tive uma participação também importante como secretário do Litoral Sul, na gestão do Jânio Natal. Funcionou e ela deveria ter sido mais estruturada e fortalecida. A minha tristeza é que, com todas as promessas de empresários, Abade entrou e acabou com todo esse trabalho, que estava sendo gestado, construído.
Como você vê o futuro seu e do Arraial d´Ajuda?
Esses anos são de mudanças. Meus dois filhos estão estudando em São Paulo e outro está indo para Nova Zelândia, pelo Ciência sem Fronteira. Não sei eles vão voltar, mas eu e Renata não nos imaginamos indo para São Paulo. Hoje, pela idade, a ideia é estar alcançando um sucesso profissional, uma retaguarda financeira, que me permitisse continuar morando bem e trabalhando no Arraial d´Ajuda, mas que me permitisse viajar um pouco mais, para ir para São Paulo e também conhecer outros lugares. O Arraial d´Ajuda é um caso de sucesso. Tantos destinos foram destinos da moda, duraram alguns anos e caíram no esquecimento ou se deterioraram. Eu acredito que o Arraial d´Ajuda, com todos os problemas, tem uma energia, um charme que encanta as pessoas. Mas precisamos de um direcionamento para o turismo e mais capacitação para os empresários. Não dá mais para vir pra cá na temporada, trabalhar dois meses e passear o resto do ano. O Arraial continua surpreendendo. Um termômetro que a gente tem é o CEAD, onde chega muita gente em busca de escola. É um fluxo constante, num lugar que ainda preserva qualidades, que a gente sendo cuidadoso, dá ainda para acreditar em ter qualidade de vida aqui.
Bate bola Signo: Áries Time: Palmeiras Hobby: vinhos, para tomar, pesquisar, conhecer, comprar, comparar Uma música: daria para fazer um CD com várias, que remetem ao passado Um cantor: Pink Floyd, que me marcou muito Um livro: Cem anos de Solidão e a Pedra do Reino, do Suassuna Prato predileto: lasanha, pode ser de beringela Uma bebida: vinho, inegavelmente Um lugar especial no Arraial: a Praça da Igreja me emociona Um lugar especial fora do Arraial: Arraial d´Ajuda é o lugar mais especial do mundo Uma praia no Arraial: Pitinga A rua do Mucugê é: a rua mais charmosa do Brasil A política é: uma decepção e cada vez, uma esperança renovada O Arraial é: a minha casa Sorte é: o encontro da oportunidade com o trabalho Uma pessoa especial: Renata, minha mulher Uma personalidade: Parracho Uma saudade: dos tempos da lambada Uma conquista: meus filhos bem criados Um sonho: conhecer o Tibet Um motivo de orgulho: eu me orgulho da minha história Uma qualidade sua: acreditar em todas as pessoas Um defeito: acreditar em algumas pessoas Como você se define: um jovem que tem muito a fazer ainda |
Entrevista publicada na edição 363, agosto/15, do Jornal do Sol