Libertação com as eleições

Publicado na ed. 401 do Jornal do Sol

Na ocasião de uma visita aos familiares e amigos da Itália, tive a oportunidade de sair do clima   briguento das eleições brasileiras e deparar com experiências bem interessantes, seja no campo social ou no campo religioso. A gente viu as diferenças enormes em que se encontram os municípios bem governados, que geram a participação dos cidadãos na limpeza do meio ambiente, a presença dos pais nas escolas, a confiança nos órgãos públicos, na polícia e no judiciário.

As fábricas, voltando a trabalhar e empregar. Justamente ao redor do Monte Castelo, aonde o exército brasileiro fez o exército alemão recuar, a indústria do queijo parmesão apresenta um verdadeiro espetáculo de técnica, amor ao trabalho e sucesso que cria a admiração no mundo inteiro. As montanhas protegidas voltam a ter os bichos do mato, cogumelos, flores e hortaliças sem agrotóxicos.

Pelo contrário, aonde as autoridades se deixaram corromper, tudo desanda, acaba a participação e colaboração popular e a crise assusta os cidadãos. Existem, porém, sinais e pessoas que, não só denunciam as causas da crise, mas também estimulam, com exemplos e ensinamentos os caminhos da saída. Vencer a crise e a corrupção representa uma verdadeira libertação, pois não é apenas da escravidão do pecado que devemos nos libertar, mas de todas as angústias, de todo o sofrimento gerado pela injustiça, pela exploração, pela má distribuição dos bens e recursos que teríamos se aprendêssemos a repartir.

Existem, porém, sinais de libertação. Em primeiro lugar, o Papa Francisco está sendo reconhecido como o maior líder mundial da mudança pelos documentos que ele publica, mas pelos gestos e vida que conduz.  Agora faz eco a estes ensinamentos o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, o Papa dos Anglicanos. Ele participou da elaboração de um plano de 73 pontos sobre a economia mundial em que se declara abertamente que “o modelo atual de capitalismo não funciona”; é preciso exigir mais impostos sobre os ricos, sobre as grandes fortunas, as indústrias globais, sobre as heranças bilionárias; condena-se a cultura do lucro e se propõe o aumento dos salários mínimos, pois tornou-se abusivo o privilégio dos mais ricos à custa do empobrecimento dos mais pobres.

Representa um avanço enorme que, no primeiro mundo, tem pessoas famosas lançando estes gritos, denunciando abertamente que os males da humanidade são consequências da exploração. Também ao nível mais popular, se multiplicam exemplos de vivência e proclamação dos valores humanos mais importantes. A comunidade de Romena, nascida há poucos anos no lugar por onde passavam os romeiros que iam a Roma, na província de Arezzo, cultua a acolhida, sobretudo das pessoas que perderam familiares ou amigos de forma violenta. Naquela comunidade a participação é completamente livre.

Não existem limitações de raça, religião, ideias políticas, sociais, culturais. Só é preciso ter a vontade de “ressuscitar”, sair do desconforto, da dor, da solidão. Toda semana é possível participar da “Via della Resurrezione”, caminhada da ressureição. Humildade, confiança, liberdade, leveza, perdão, fidelidade, ternura e amor são as etapas que terminam no gramado aonde crescem 180 árvores que revogam a vida dos que “deixaram de estar conosco nos limites do corpo” mas vivem conosco na memória e ternura do amor”.  Entre os diversos livros que circulam, “A fraqueza é a tua força”, me chamou a atenção. Hoje existe a cultura da força, da vitória, da ganância, da fama, do dinheiro.  

A reflexão de Pier Luigi Ricci lembra que a energia elétrica tem dois polos: o negativo e o positivo. Mas funciona só quando o dois entram em contato. A energia acende uma luz, liga um motor só quando se estabelece um caminho que tenha no meio algo que deixa passar as forças negativas e positivas.

As eleições sempre evidenciam forças, ideias, tendências, projetos contrapostos, projetos negativos para uns e positivos para outros. Se os dois não se entendem, não deixam passar a energia, não acontece a luz. Se a gente não se liberta do egoísmo, não se abre para com outro, não deixa fluir o diálogo, a troca... Só há choques e a crise continua, gerada justamente por aqueles que dizem querer acabar com ela. Disputa política não deve significar divisão, pelo contrário, deve ser o encontro das diversas opiniões para gerar o bom serviço da administração pública.  A verdadeira libertação  é esta: juntar as forças.


Antonio Tamarri é professor de História e Teologia