A carta e a visita

Antonio Tamarri

Dias atrás, numa loja, um ex-aluno me reconheceu e me perguntou se eu ainda estava dando cursos bíblicos. Falei que não, mas, por curiosidade, quis continuar a conversa.

_  Por que estás me perguntando?

_  Porque tem trechos que não consigo entender, outros que me parecem contraditórios, outros que até parecem contrários a toda a mensagem da Bíblia.

_ Pois é, continuei, me diga uma coisa por favor: você gosta mais receber uma carta ou a visita de uma pessoa amada?

_ Prefiro a visita, sem duvida! Que pergunta é esta?

_ Você sabe que a Bíblia é, sobretudo, uma espécie de super biblioteca que reúne, cartas, documentos, tradições, orações... escritas por homens inspirados por Deus...por isso é chamada também a Palavra de Deus.

- Isto eu sei.

- Certo, mas o que esta escritura nos diz a respeito de Deus; onde estaria esse Deus?

_ No céu, na terra e em todos os lugares! Isto aprendi desde criança no catecismo.

_ Pois bem, mas porque parece que muitas pessoas rendem culto a  Deus só nas igrejas, nos templos, nos santuários, nas cerimônias religiosas... e esquecem de se lembrar Dele no dia-a-dia, nas terras, nas matas, também nas ruas, nas praças, nos rios, nas praias...

Ele ficou pensativo, diria até preocupado, não conseguiu responder.

_ Não se avexe. Chegamos ao ponto em muitos que têm uma fé, qualquer crença, religião, seita ou congregação; se acham em paz, não se preocupam que o jardim que Deus nos deu, que está se transformando num “inferno”.

E isso acontece justamente por a causa do descuido dos herdeiros, dos que, grandes ou pequenos, continuam a poluir, terra, água, ar. Apesar de todos os sinais de deterioração que nós conhecemos bem, bem pouco ou quase nada fazemos para diminuir.

A partir do lixo nas ruas, matas ou córregos... ao uso descontrolado de motores poluindo o ar, agrotóxicos envenenando as terras e os rios, o ar... Para piorar a situação de herdeiros, estamos assistindo inermes à extrema diferença de uso dos bens desta terra: quem tem demais e quem não tem o indispensável.

É difícil pensar que Deus possa estar no meio de “herdeiros” tão displicentes. Tomara que o recebimento da carta Dele, a Bíblia, lida e meditada como  testamento, quer dizer ordem, nos estimule a cumprir, cada um, a nossa parte.

Sabemos que viver “a presença de Deus” é muito mais comprometedor que ler, carregar, ou proclamar a Palavra de Deus. Mas é indispensável assumir esta presença para garantir a preservação do planeta.


Antônio Tamarri é professor de História e Teologia - Foto: reprodução

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Antonio Tamarri

Tentativas de materializar o divino e desvalorizar o humano. Não é jogo de palavras. Mas é o que pode ser visto todo dia nas igrejas, casas de culto, santuários, templos... onde sacramentos, livros, orações, ritos, procissões, missas procuram passar a fé e a crença que Deus “aqui está”.

Também é preciso esclarecer que livros declarados sagrados como Bíblia, Alcorão e outros, não são em todas as partes e, em absoluto, palavras de Deus. Pois Deus não escreve diretamente, mas inspira, digamos, o escritor a redigir o texto. E estes escritos geralmente são manipulados por determinadas categorias sociais. E sempre condicionados pelos grupos dominantes.

Por isso, os estudiosos mais conhecidos e que aprofundaram cientificamente o estudo desses textos, afirmam abertamente que nestes livros pode ser encontrado todo o bem e todo o mal que existe no mundo. O bem é espirado por Deus; o mal é inspirado por interesses dos poderes dos governantes.

Quando se atribui a uma imagem, um gesto, uma celebração, um culto, a capacidade de tornar presente Deus, se extrapolem os poderes humanos. Não se pode materializar a presença de um Ser que não obedece a gestos, ritos e lugares materiais. A história relata que todas as tentativas de realizar estes milagres eram manipulações ou verdadeiras farsas.

Em nome da liberdade poderíamos deixar que cada um acreditasse no que quisesse, se esta “liberdade religiosa” não escondesse o que podemos definir o secundo grave pecado da humanidade: tirar do que é divino, por ser criado por Deus, por ser dádiva da natureza, tirar desta maravilhosa realidade o respeito que ela merece.

Quantas vezes ouvimos de padres, pastores, religiosos, pais de santo... o convite a participar dos eventos que costumam celebrar. Porém é lastimável o silencio de muitos perante o descuido ecológico, social, os abusos dos mais fortes, as explorações dos pobres, das mulheres e dos pequeninos...

Como é triste quando se chama uma guerra de “santa”, como foi feito com as cruzadas, a inquisição ou quando foram abençoados exércitos invasores. Liberdade religiosa não pode ser permissão para “não se meter” em problemas ecológicos e sociais, que estragam a divina criação de um universo que está se tornando casa vez mais abandonado.

Eventos religiosos, cultos, missas não podem se esquecer dos outros deveres sociais e humanitários. Não podemos fechar os olhos sobre a responsabilidade que todos os homens e mulheres devem ter para com a mãe terra, com o mundo que, embora material, é dom de Deus.

Devemos ter cuidado para que não aconteça que, enquanto os “bons” vivem na fé, os “maus” vivem fazendo guerras, injustiças e explorações. Criando misérias, desabrigados, migrantes... e pisando na realidade que somos todos filhos de Deus, portanto, irmãos.


Antônio Tamarri é professor de História e Teologia - Foto: reprodução mensagem.online

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Antonio Tamarri

Esta frase de Thomas Jefferson se encontra em tantos documentos, escrita em diversos livros, enunciada em sermões... Todavia, o regime democrático é o mais castigado, equivocado e caçado, inclusive por pessoas que declaram a absoluta preferência pelos governos eleitos pelo voto.

Parece absurdo, mas é verdade. É muito mais simples e fácil viver à sombra de críticas, reclamações e até protestos, do que assumir o papel de cidadão comprometido com a causa pública. Nos regimes democráticos, é fácil ouvir: “eu sou livre e faço o que quero”; enquanto o correto seria dizer: “eu sou livre e faço o que devo, como pai, mãe de família, cidadão, trabalhador, empresário, político, religioso”...

O que é a história?

Pois bem, acho que ninguém duvida que o planeta Terra está mergulhado em equívocos. A história, infelizmente, está cheia destes relatos de massacres, carnificinas, escravidões... Existe uma confusão de ideias e atos que nos levam a acreditar que estamos voltando à era da bárbarie.

Pior, pois os bárbaros (assim chamados com desprezo pelos romanos), queriam retomar o domínio das próprias terras injustamente invadidas, dos seus costumes e da liberdade. Tinham direito se de defender? Mesmo quando eram obrigados a atacar, destruir e vingar a morte de tantos companheiros? Parece que a raça humana estava condenada a brigas contínuas. Estava? Está ainda!

Mulitiplicação dos campos de batalha

Começando com os desastres do clima, voltaram as guerras por terras, por comércio, na indústria, no mercado que nunca foi ‘livre´. Mas agora é monopolizado, contaminado, mesmo que os meios de produção tenham melhorado muito.

A política, quando não usa armas, abusa de mil e uma estratégias para ter o domínio, para restringir a liberdade, para se perpetuar no comando. Será que tem espaço para o desespero? Não.

Eterna vigilância

A gente viu o que aconteceu no Brasil. Deixamos espaço para algumas desobediências às leis que culminou com a invasão do dia 08 de janeiro. Votamos por reação e não com escolha pensada e justificada. Tivemos um governo fantoche que apoiou atos ilegais e a provocação contínua nas estradas, na mídia, abandono das escolas, hospitais e até das terras indígenas

Quando o povo deixa de governar, os malandros afundam o país. Não se governa só em Brasília.  Se deve governar em cada município, região, estado. Povo omisso, ausente, que não cuida do bem comum, se torna povo escravo, miserável, carente e infeliz. O preço da liberdade é a eterna vigilância sobre todos e tudo.

Vamos vigiar amigos!


Antônio Tamarri é professor de História e Teologia - Foto: Reprodução

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Antonio Tamarri

Foi fascinante ler como Ulisses, após dez anos de batalha e ainda sem sinais de quem seria o vencedor, tem a ideia de construir um enorme cavalo de madeira, que seria oferecido como presente ao rei troiano Príamo. E decidiu a guerra, ao ser esconder em sua barriga junto com alguns guerreiros. À noite, já dentro das muralhas, tomaram Troia.

Na volta para casa, conseguiu também se livrar das ameaças de Polifemo, o gigante assassino. Na mitologia romana, Ulisses e os seus companheiros entraram no antro de Polifemo procurando comida e bebidas. Não sabiam que se tratava do local onde o ciclope dormia e guardava as suas ovelhas.

E ficaram presos, por descaso, na gruta do gigante. Ao apelo que o brutamonte esbravejava: “quem está aí, quem está aí?”; Ulisses respondia: “ninguém, ninguém está aqui!”. Ofegantes, frente à figura do gigante de um olho só no meio da testa, eles revelam sua presença. O cíclope agarra dois homens e os devora.

Polifemo então pensou: “se ninguém está na minha gruta, posso tirar a pedra enorme que a fecha para levar as ovelhas no pasto. Mas estarei atento para pegar e matar os que estavam na gruta”. Ulisses, prevendo que o gigante sairia, se enrolou, assim como seus companheiros, nas peles de ovelhas já curtidas. E se arrastaram debaixo dos animais que estavam deixando a gruta.

Saídos ilesos, Ulisses e sua tropa decidiram vingar seus guerreiros massacrados pelo assassino.   Olhando de longe o grandalhão, planejaram acabar de vez com sua ferocidade. Pegaram o tronco de uma árvore, queimaram a ponta e a transformaram em uma lança bem afiada.

Aguardaram que Polifemo cochilasse e, com coragem, enfiaram a arma improvisada no único olho do monstro, cegando-o. Assim, se tornaram livres para seguir viagem enquanto Polifemo, cego e furioso, jogava pedras enormes no mar, sem acertar o navio.

Invasão da Ucrânia

Depois de um ano de violenta guerra, com destruição em massa nas cidades ucranianas, fuga de milhares de civis e muito sofrimento, não se ouve falar em paz, trégua ou suspensão dos bombardeios. Será que vai ter um ‘vencedor’ e um ‘perdedor’? Difícil adivinhar.

Mas uma coisa a história, mestre da vida, nos diz: ‘o sangue dos mártires, seja das guerras ou das catástrofes naturais, nunca deixa de ser semente de nova vida’. Todas as invasões que a gente estudou nos bancos da escola fracassaram, mesmo as que duraram séculos.

O desejo de liberdade, democracia, participação livre e responsável na administração da própria vida e do bem comum, sempre ganham da escravidão, da perda dos direitos fundamentais, da submissão aos governos ditatoriais.

Em outra vertente, tragédias, terremotos, inundações, incêndios ou secas que provocam vítimas nos mais diferentes rincões precisam servir de alerta para que não se repitam. E gerar estudos e iniciativas que possam evitar ou amenizar os efeitos danosos destes acontecimentos.

Ruim, muito negativo, quando as lições da natureza e os erros dos ‘outros’ não geram efeitos. Quando se continua construindo nas encostas perigosas; edificando prédios sem as técnicas de prevenção; quando se cultiva a terra envenenando o solo; quando se constroem fortunas econômicas a custo do sofrimento e exploração dos trabalhadores.

São tantas as cegueiras nas quais se vive neste ‘jardim’ chamado Terra que, às vezes, acabamos por apelidá-lo de ‘inferno’. Sem sequer analisar que somos nós, os moradores e moradoras deste planeta, que o estamos transformando.

Cegueiras como a invasão da Ucrânia e todas as demais guerras, que produzem armas cada vez mais destrutivas e ceifam a vida de milhões. Se, ao contrário, utilizássemos mais os recursos naturais e humanos para produzir alimentos, lazer equilibrado, repartição justa entre as pessoas, voltaríamos a viver num ‘jardim’.

Vamos parar de jogar pedras ao mar, como fazia o cego Polifemo. E jogar atenção, cuidado e amor para com a nossa mãe Terra, para vivermos a paz. Chega de especulações políticas, religiosas ou econômicas. Vamos abrir os olhos, sem querer explorar ninguém, mas sim edificar a paz.


Antônio Tamarri é professor de História e Teologia - Foto: Reprodução

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Antonio Tamarri

Enfrento este assunto com uma certa apreensão. Não se trata de querer alimentar a velha briga entre religiões. Quero refletir sobre o grave perigo que, ao se multiplicar, os lugares de culto -  grandes ou pequenos -  corre-se o risco de cair no grande erro de excluir Deus do mundo e fazer acreditar que é a igreja a casa de Deus. Todas as doutrinas, ensinamentos e a “fé”, seja qual a crença ou religião, ensinam que “Deus está no céu, na terra e em todos os lugares”.

Por isso a insistência dos religiosos, padres, pastores, rabinos, gurus... em convidar à prática de participar dos cultos, missas, celebrações.... pode causar o descuido de cultuar a Deus no mundo, justamente neste momento em que o descaso para com a ecologia, o meio ambiente, o respeito com a natureza está criando sérias ameaças ao nosso Planeta Terra.

Não vem ao caso falar agora das tantas e grandes ou pequenas corrupções que muitos representantes de igrejas praticam para se sustentar, nem tampouco das imensas fortunas que muitos membros de grupos religiosos juntaram. Aonde há pessoas, pode haver erros exageros, mentiras e explorações, por isso o cuidado é importante.

O costume do avestruz

O que deve ser repensada é a constatação que as igrejas continuam cultuando a Deus, cantando as mais belas músicas, enquanto, ar, água, terra, e sobretudo a condição de vida das pessoas corre sérios riscos de sobrevivência.

Queria aqui fazer a comparação do costume do avestruz que, em perigo, ao invés de fugir, se defender ou atacar, esconde a cabeça na areia. Como ele, muitas pessoas, no lugar de “atacar os males da sociedade” se “escondem” nos  cultos, nas igrejinhas, nos templos.

Com a Bíblia no braço, terço, imagem de santos, camisas com frases religiosas até nos carros, caminhões, passam a imagem de fé, enquanto não assumem o compromisso de “salvar” o planeta, ou , simplesmente, se engajar na busca, aqui valeria a palavra luta... se engajar na luta para ter uma  rua sem lixo, buracos....escolas mais sérias para crianças e jovens, atendimento a idosos, doentes...

Temos igrejinhas cheias de gente, cantos, luzes, flores... e casas, famílias, aonde falta o essencial. Talvez, reduzindo os patrimônios das igrejas,  poderíamos ter um mundo com mais igualdade e menos violência.


 Antônio Tamarri é professor de História e Teologia - Foto: Reprodução

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