Renato Dória

O engenheiro agrônomo Renato de Araújo Dória, 58, começou a traçar seu próprio destino quando ainda era criança e vivia no interior de São Paulo. Aos sete anos de idade, quando teve a primeira oportunidade de lidar com bichos e plantas, ele já alimentava o sonho de seguir a agronomia como profissão. Mesmo sem a dimensão das fronteiras que desbravaria pela vida. Um desejo que começou a se tornar realidade ao adquirir uma propriedade cheia de mata nativa, colocar a mudança sobre um caminhão velho e começar a escrever sua história de sucesso em Porto Seguro, 33 anos atrás. 

Aqui ele foi pioneiro em experiências no cultivo de mamão, coco, cupuaçu e açaí; criou três RPPNs e participou de importantes ações comunitárias em nome da sustentabilidade. Casado com a também agrônoma, Arlene Oliveira e pai de Heloísa e Juliana - que também está trilhando o mesmo caminho profissional dos pais na faculdade de agronomia - Renato segue traçando planos para o futuro. Sem perder de vista o compromisso com a defesa da vida e o respeito implacável ao meio ambiente.

Que lembranças você tem da sua infância?

Eu nasci em Marília e cresci em cidades pequenas do interior de São Paulo e no litoral, São Vicente. A parte da infância que mais me marcou foi quando eu fui morar em Santa Rita do Passa Quatro. Meu pai era médico e diretor de um hospital colônia e nós morávamos numa casa afastada, que era uma chácara, cheia de plantas, mangueiras, pomar imenso, e eu vivia no meio do mato. Com sete anos de idade eu criava galinha, pato, coelho. E naquela época eu já dizia que queria ter uma fazenda e ser agrônomo.

E como foi a sua vinda para Porto Seguro?

De Santa Rita nós fomos para Jundiaí, uma cidade maior e depois fui para São Vicente, no litoral de São Paulo, onde terminei o segundo grau, fiz vestibular e entrei na USP. Quando eu me formei, fizemos uma viagem para a Amazônia, de lá eu fui para o Pará e do Pará eu vim para a Bahia, porque tinha um amigo que já tinha uma terrinha aqui, aquele da seringueira, perto da Vila Valdete, que eu ajudei a plantar, há 33 anos. Aí eu gostei daqui, fiquei um mês no Arraial d´Ajuda, numa casa de uma velhinha, ao lado do cemitério. Meu pai tinha falado que iria me dar um dinheiro para eu comprar um sítio em São Paulo. Aí eu falei: o dinheiro que você vai me dar para comprar um sítio aqui, eu compro uma terra grande, uma floresta lá na Bahia. Aí eu comprei a terra, do pai do Roni Guerra, e um caminhão velho. Coloquei a mudança em cima do caminhão e vim pra cá, eu, meu irmão, mais um amigo e uma motinha. Isso foi em julho de 83, três dias de viagem. Aí fomos morar na fazenda, num barraco que tinha lá e fomos fazendo uma casa. Demorou um ano, um ano e meio para ficar pronta.

O que ficou pior em Porto Seguro desde a sua chegada?

Porto Seguro era um vilarejo bem pequenininho, onde, como tinha um número muito pequeno de pessoas, todo mundo se conhecia, era bem harmônico. O povo era o nativo daqui, que tinha orgulho de ser porto-segurense e se relacionava muito bem. Não tinha grandes negócios, a cidade não tinha uma economia, estava no final do ciclo da madeira. Então era bem sossegado. As praias eram desertas, não tinha barracas. E na época estava se iniciando o turismo, com os hippies, os alternativos, os estudantes. Era uma vida bem gostosa, à vontade, não tinha mendigos, nem problemas de segurança.

E como foi o novo caminho acadêmico que você seguiu depois?

Aí que entrou a Arlene. Eu me formei em 82, vim pra cá seis meses depois e fiquei 10 anos aqui, morando na fazenda, sem eletricidade. Minha mãe morou com a gente um tempo lá, depois ela e meu irmão foram para São Paulo. Eu fiquei mais um tempo lá e depois fui morar no Apaga Fogo, em 89, 90. Lá eu conheci a Arlene e decidi ficar com ela. Eu estava muito entocado no mato e conhecendo ela eu conheci mais de perto o trabalho da Embrapa. Ela trabalhava em Cruz das Almas e fui passar um tempo lá. Como ela trabalha no Centro Nacional de Pesquisa em Mandioca e Fruticultura, eu fiquei por lá e achei interessante. Lá tem uma faculdade de agronomia e eu decidi fazer um curso de pós-graduação em fruticultura tropical. Naquela época eu plantava mamão e os pesquisadores de lá estavam vindo pra cá, e o Sul da Bahia era a maior área produtora de mamão do Brasil, e ainda é.

Por que você deixou o mamão para plantar coco?

Cada cultura tem suas nuances e se encaixa com a personalidade do agricultor. Tem caras que só querem produzir alimentos orgânicos, outros gostam de trabalhar com muita tecnologia, outros utilizam muito veneno. E o mamão é uma cultura muito intensa, você tem que comercializar, senão ela amadurece, estraga e você perde aquela fruta. No início do ciclo era uma cultura rentável, mas durante oito anos cultivando o mamão eu fui tomando consciência das dificuldades de comunicação, transporte, a venda era difícil, e aumentou o uso de defensivos que é algo que eu não gosto muito. A partir da década de 90, o coco verde era muito caro na praia e a gente visualizou um mercado interessante. Aí eu decidi plantar coco verde e foi uma decisão interessante, era uma planta mais rústica que o mamão, não tinha tantos problemas de doenças e pragas.

E daí até passar para o cupuaçu e açaí?

Quando começamos a produzir, já tinha outras pessoas plantando coco e resolvemos criar uma associação, quando o Everal era secretário de Agricultura. Nessa vivência eu percebi que o coco teria uma expansão muito grande, como teve, e que depois de alguns anos a oferta seria maior que a necessária. Aí eu falei: “preciso encontrar uma cultura alternativa”. Na Amazônia eu conheci o cupuaçu e o pessoal da Embrapa estava fazendo pesquisa com a planta aqui na região, fui lá visitar, gostei pra caramba e vi que o negócio funcionava bem. É uma cultura que não usa defensivos, porque não tem praga nem doença. Aí plantei no meio do coco, porque também é uma cultura de sombra e deu certíssimo, hoje tem lá 13 mil pés de cupuaçu, 60 hectares. E aumentou muito a aceitação no Brasil todo.

E como o açaí entrou na história?

Com o cupuaçu eu montei uma pequena fábrica de polpas, legalizei tudo, registrei no Ministério da Agricultura, criei rótulos, embalagens, código de barras, inclusive com a ajuda do Jornal do Sol, para ser comercializável no Brasil todo. E essa despolpadeira foi montada inicialmente para o cupuaçu, mas ela estava com folga de produção. E nesse início de milênio eu visualizei também o açaí, que cresceu muito o consumo, vinculado ao cupuaçu. Aí pesquisei bastante e vi que é outra planta que não tem pragas e doenças significativas. Eu comecei a voltar a minha agricultura para uma agricultura de menor impacto ecológico, lançando mão de armadilhas ecológicas. E no cupuaçu, que plantamos há 18 anos e açaí, há oito anos, o uso de defensivos é zero.

E ser casado com uma agrônoma, ajuda ou atrapalha?

Só ajuda, porque além do apoio que ela sempre me dá, ela é uma ótima fonte de informação. Ela trabalha mais com banana, maracujá, abacaxi, outras frutas, mas ela tem amigos e me informa os canais de informação, está sempre me ajudando em tudo.
Você criou RPPNs na fazenda. Porque essa decisão e o que você ganha com isso?
Eu criei três RPPNs, em 2001. A fazenda tem 640 hectares e cerca de 50% é de floresta original, o equivalente a três quilômetros quadrados, que há 20 anos não se mexe. E eu sempre fiz ações com os trabalhadores, de não espalhar lixo pela fazenda, cuidar do meio ambiente, não caçar. Então quando apareceu essa história de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), há 15 anos, eu falei, “eu me encaixo nisso aí”. É tudo registrado em cartório, não se pode derrubar uma árvore de Mata Atlântica, como está na Constituição. Mas nessas áreas eu posso fazer ecoturismo, trilhas, ações ambientais. Tenho o status de preservador do meio ambiente o que conta pontos a favor dos meus produtos, considerados ecologicamente corretos, e isso me ajuda também a conseguir certificações internacionais. E é a mais pura verdade, a gente preserva mesmo.

O que você ainda pretende fazer na agricultura?

Em sempre tenho planos. Eu tenho três culturas na fazenda, que é o coco, que pode ser verde ou seco; o cupuaçu, que tem a polpa, e a semente dele é um cacau; e o açaí. São três produtos de excelente qualidade, que têm um valor muito bom. Os meus planos futuros são no sentido de agregar valor a esses produtos, processando a semente do cupuaçu para fazer o cupulate, que é um chocolate de cupuaçu. Quero fazer também alguns sucos já prontos para o consumo, derivados da polpa de açaí e cupuaçu, que já produzimos. A fazenda está muito próxima da cidade e tem facilidade de oferecer trabalho para as pessoas da periferia e também de contar com essa mão de obra.
Qual a maior dificuldade em ser produtor rural em Porto Seguro?
Antes tínhamos muitas dificuldades com a comunicação, o transporte, os acessos. Hoje, as prefeituras têm dado uma atenção para as estradas rurais. Atualmente a mão de obra tem sido um fator limitante. Não sei o que acontece, mas os jovens não querem trabalhar em fazendas, acham que é um trabalho inferior. E pelo contrário, é um serviço bem mais digno e faz mais bem para a saúde do que uma fábrica, por exemplo. 

E a maior recompensa como produtor rural?

É a colheita! O Sul da Bahia tem o melhor clima do Brasil. Não temos invernos nem verões rigorosos. Temos chuvas abundantes, sol pra caramba, tudo o que as plantas precisam, e a gente também. Então aqui é um clima ótimo para a agricultura e para os agricultores que se dedicam, porque você cuidar de uma planta é como cuidar de uma criança. Você tem que tratar muito bem na infância, até colocar na produção. E depois que está produzindo, você continua tratando. Então uma planta é como um filho, você não pode descuidar nunca.

Jogo rápido

 

Signo: Câncer
Um hobby: voar
Um músico: Pink Floyd
Uma comida boa: moqueca mista
Uma bebida: cerveja gelada
Um lugar especial em Porto Seguro: Fazenda Bom Sossego
Um lugar especial fora de Porto Seguro: Chapada Diamantina
Uma pessoa especial: Arlene
Uma personalidade da cidade: Dr. Josdanei
Uma decisão acertada: vir para a Bahia
Uma saudade: minha mãe
Um medo: não tenho muito medo
Um sonho: ver as pessoas que eu gosto felizes
Um motivo de orgulho: ter feito o que planejei na infância
Agricultura ou pecuária? Agricultura
E a pecuária? Só em áreas extensas
Uma fruta: cupuaçu
Uma fase da lua: cheia
Uma estação do ano: primavera
O solo é: vida
A chuva é: transformadora
Todo mundo colhe o que planta? sim, se cuidar
Uma qualidade sua: eu sou muito trabalhador
Um defeito: sou muito exigente
Como você se resume: eu sou uma pessoa muito ativa, que corre atrás

 

 

 

 

 

Heitor Siqueira

Quando veio passar as férias no Arraial d´Ajuda, em 82, o empresário paulistano, Heitor Siqueira, 58 anos, não imaginava que um simples vilarejo - onde se chegava a bordo de pequenas canoas – poderia provocar mudanças tão profundas em seu destino.  Uma bem sucedida história de vida, que ele começou a escrever com a construção da pioneira Pousada Caminho do Mar, na estrada do Mucugê.  Hoje, a pousada dá lugar à Praça Caminho do Mar, uma criativa mistura de shopping, com point gastronômico e espaço cultural, no coração da mais charmosa esquina do mundo. Não por acaso, é no Arraial d´Ajuda que o coração dele bate mais forte. Foi aqui também que ele liderou, junto com outras pessoas valorosas, lutas gloriosas para proteger o Arraial e melhorar a vida de muita gente. É onde ele se orgulha de ter construído uma de suas maiores conquistas, a família, ao lado da esposa e psicóloga Renata Coji e dos filhos Lucas e Ricardo.

Onde você nasceu e que recordações você guarda da sua infância?

Eu sou paulistano, da capital, mas sempre morei num bairro tranquilo, afastado do Centro, parecia interior. Quando eu tinha 2, 3 anos de idade, passava boi na frente da minha casa. Era capital, mas perto do Horto Florestal de São Paulo, muita área verde. Então foi uma infância quase de interior, eu diria. Muita brincadeira, bicicleta, espaço para mexer na terra. Foi uma boa experiência.

Como começou sua história com Arraial d´Ajuda?

Eu fazia faculdade, trabalhava no Banco do Brasil e nas minhas férias eu combinei de vir pra cá com alguns colegas que já conheciam a região. Em janeiro de 82, a gente veio de carro e chegamos à noite em Porto Seguro. Mas não era uma noite bonita, a gente dormiu mal, numa pousada do Centro. Aí no dia seguinte resolvemos passear e atravessamos a balsa. Eram aquelas canoas, com duas taboas em cima. A gente sabia que existia o Arraial d´Ajuda e queríamos um camping. Aí chegamos na Praça da Igreja e a primeira pessoa que eu coversei foi com o Frei Miguel. Quem conheceu sabe que deve ter sido uma apresentação interessante. Ele estava sentando na sorveteria, chupando picolé, já tinha aquela barba enorme, estava aéreo, sabe lá em que nuvem, e sugeriu que a gente alugasse uma casinha, que era melhor que camping. Aí eu passei um mês em uma casa na Bróduei. Imagine, naquele tempo dava para dormir na Bróduei e às 11 da noite acabava tudo. Ficava duas, três lâmpadas acesas e a maioria das pessoas acampava lá na Bela Vista, que é a rua atrás da igreja, e na praça São Braz. Mas as casinhas de pescador saíam tão barato quanto o camping. E assim começou minha história com o Arraial d´Ajuda.

E daí até decidir vir morar de vez?

Essa história parece história de escritor, mas eu não sou escritor. O Arraial mexeu muito com minha cabeça, adorei as férias e voltei pensando num monte de coisas. Mas enquanto eu estava aqui não pensei em morar, não fui ver terreno. Só que no último dia, eu tive uma febre e viajei super mal para São Paulo e lá eu continuei tendo febre todos os dias, às 6 da tarde. Fui ao médico, fiz exames e não passava a febre, durante vários dias. Aí eu comecei a brincar que dava para fazer uma pousada em Arraial d´Ajuda, que era um lugar interessante, que as pessoas estavam descobrindo. Mas por acaso um amigo do meu irmão ouviu a conversa e disse “eu tranquei a faculdade, quero montar algum negócio e vou ser seu sócio”. Então uma brincadeira tomou um ar de coisa séria. Aí na Semana Santa de 82 a gente voltou pra cá, aí sim, para pesquisar.

E a febre?

Do dia que ele falou que queria ser meu sócio, a febre passou. Verdade! Vimos eu e esse amigo do meu irmão e meus dois irmãos, que ficaram curiosos e acabaram vindo também. Em maio de 82 eu voltei pra comprar o terreno. O amigo do meu irmão deu pra trás, ele serviu para dar o start, para passar a minha febre. Aí eu e meus dois irmãos compramos esse terreno aqui na rua do Mucugê. O procurador do dono era o Sr. Pedro Deiró, um figura importante em Porto Seguro, e ele me elogiou: “nossa, você tão novo assim, vai comprar um terreno em três parcelas!”

Era um investimento alto?

Quando eu fiz a Caminho do Mar, eu calculo que foi a sétima, oitava pousada do Arraial. Tinha a Pousada do Campo, a da Boa Preguiça, que era a melhor naquela época. Era um terreno barato, uma construção barata, porque era tudo rústico, então era um negócio alcançável para a minha realidade. Eu imaginei que eu viria por 3, 4 anos, e na baixa temporada eu voltaria para São Paulo. Enquanto tivesse bom eu iria ficando. Eu continuo dizendo, enquanto tiver bom, eu continuo morando no Arraial d´Ajuda.

E o casamento, foi quando você já estava aqui?

Dessa compra acabou surgindo a Pousada Caminho do Mar, que acabou ficando bem conhecida. A gente teve uma história de sucesso, era muito bem localizada, na época eram menos pousadas, era menor a concorrência. De uma certa maneira, a Caminho do Mar foi pioneira e criou um estilo. Nos primeiros anos eu viajei algumas vezes e aí eu conheci a Renata, minha esposa, que foi hóspede na Caminho do Mar. Tínhamos amigos em comum em São Paulo, mas a gente veio se conhecer aqui. Em uma semana a gente estava junto. Eu fui depois pra São Paulo, fiquei um ano lá e em 89 viemos pra cá de vez. Aí vieram os filhos, e uma das minhas maiores alegrias foi ter conseguido viver num Arraial d´Ajuda – eu e muitas pessoas que batalharam por isso – que fez uma molecada de cabeça boa.

E quais são os desafios de criar filhos aqui?

A gente costuma dizer que os empreendedores sempre saíram na frente do poder público. Quando precisava de luz numa rua, os empresários ratearam e colocaram a luz, quando precisava ter água, fazia poço, e o poder público sempre veio atrás. Numa cidade que cresceu muito rápido também, as coisas sempre foram difíceis. Ou seja, existem as dificuldades, mas isso também dá uma bagagem de vida importante. A gente construiu o nosso lugar. Tínhamos dificuldades de escola e formos atrás de construir uma escola no Arraial, eu e várias outras pessoas. Um grupo de pais, por exemplo, construiu o CEAD, que é uma excelente escola, tanto que dá uma tranquilidade para as famílias, inclusive de europeus, de vir morar aqui e saber que temos uma boa escola. Sempre foi difícil, mas a gente tinha que arregaçar as mangas e fazer acontecer.

Você transformou a Pousada Caminho do Mar na Praça Caminho do Mar. Pousada deixou e ser um bom negócio no Arraial?

A gente precisa se mexer. Não acho que pousada deixou de ser um bom negócio, mas a Caminho do Mar, com 28 anos parou de funcionar, e naquele momento, a mais antiga do Arraial d´Ajuda, precisava passar por uma grande reforma. Janeiro de  2011 foi um ano que me balançou. Eu tive seríssimos problemas com vizinhos da pousada e foi uma das minhas maiores decepções, com todos os anos em que eu me envolvi com política, em entidades, associações, em lutas por direitos. Quando eu precisei fazer valer um direito meu, simplesmente não funcionou. Cheguei a pensar em ir embora do Arraial d´Ajuda. Por outro lado, sendo uma pousada muito antiga, ela ia demandar uma reforma, com um investimento alto, porque eu teria que melhorar os apartamentos, modernizar equipamentos. Nessa hora você não pode ir só pela tradição. Já que eu teria que demolir uma parte e praticamente refazer quase toda, eu teria que pensar se era o melhor negócio naquele momento. E a pousada estava no centro do centro do centro da rua do Mucugê. A praça era uma oportunidade comercial muito interessante, que ainda está em implantação, precisa se consolidar em uma série de aspectos. Ela vai sendo conhecida, se tornado um espaço cultural, mas aponta para ser um excelente negócio também. São 20 lojas, como um mix de um centro comercial, com a parte de gastronomia, bares, lojas, farmácia, venda de ingressos do parque aquático, conveniência, sorvete, apresentações culturais, de tudo um pouco.

Como foi a sua inserção nos movimentos comunitários e qual é saldo disso?

A minha história em São Paulo, na universidade, já tinha uma participação política voluntária. Aqui no Arraial eu sempre tive a sensação de que, se por um lado, tinha muita coisa para ser feita, também é um lugar pequeno que permitia que a gente pudesse fazer. A gente sempre trabalhou junto, um grupo antigo, que podia influir. Hoje eu vejo uma renovação,com  o pessoal do Observatório Social.. Em 84 eu fui fundador da Sociedade Amigos do Arraial, aliás eu fui o fundador de quase todas as entidades aqui do Arraial. Naquela época a Sociedade Amigos era quem brigava e cuidava de tudo. O grande ganho foi a preservação da área do Parque Central. A gente não conseguiu construir o parque, mas por outro lado conseguimos impedir invasões por quatro vezes, e uma série de coisas que poderiam ter acabado com o Arraial d´Ajuda. Não foi 100% sucesso da luta, não coseguimos construir por uma insensibilidade de todos os gestores que passaram por aqui. Tem delegacia, escola, cemitério, a feirinha, o estacionamento, a área da festa da santa. Ou seja, o Arraial d´Ajuda, do tamanho que ele é hoje, não caberia na Praça da Igreja, ou na praça São Braz. O parque é fundamental, mas o parque deveria ter sido arborizado, ter ciclovias nos caminhos, um lugar para as famílias passearem com seus filhos, para ser mais de uso e não apenas de passagem. Se ele fosse um lugar de convivência, ele aproximaria muito mais o bairro do Centro, integrando o Arraial d´Ajuda num só. Um dia, quem sabe, ele ainda acontece. E as outras entidades, a Sociedade Pró- Turismo, que organizou os empresários, a gente foi à Bahiatursa, colocar o nome do Arraial d´Ajuda no mapa; tem o Cedav, que tem sempre a discussão sobre a emancipação. E o Acordo Mucugê,, que eu julgo de bastante sucesso, porque é uma ação que reúne empresários, que há 12 anos se cotizam para melhorar o Arraial. É difícil você ter essa longevidade, essa eficiência e tem uma profissionalização. A rua do Mucugê foi feita, pensada e vem sendo construída, não é por sorte ou por acaso. Foi um trabalho consciente de muita gente que contribuiu. Mais de 100 empresários se mobilizaram, com grandes resultados. Tanto que no Tripadvisor, a rua do Mucugê, está sendo colocada como a atração nº 1, mesmo o Arraial sendo um destino de praia. Se isso não é sucesso, eu não sei o que seria.

Você já se envolveu com a política oficial. O que você levou dessa experiência?

Todos os caminhos que levam a gente a tentar influir, depois das entidades, seria um passo natural, inclusive numa época em que a política era um pouco mais fácil. Eu fui duas vezes candidato a vereador, fiquei de suplente, e em 2000 fui candidato a vice-prefeito pelo PV, numa chapa de oposição que poderia ter mudado a história de Porto Seguro.  Aziz era o candidato a prefeito, numa chapa que reunia 6 partidos de oposição. A gente tem uma suposição que ganhamos as eleições, mas as fraudes nos títulos, isso aí a história vai contar. Até essa época eu acreditava que seria uma maneira de fazer, mas a política foi ficando muito profissionalizada e cara. Depois eu tive uma participação também importante como secretário do Litoral Sul, na gestão do Jânio Natal. Funcionou e ela deveria ter sido mais estruturada e fortalecida. A minha tristeza é que, com todas as promessas de empresários, Abade entrou e acabou com todo esse trabalho, que estava sendo gestado, construído.

Como você vê o futuro seu e do Arraial d´Ajuda?

Esses anos são de mudanças. Meus dois filhos estão estudando em São Paulo e outro está indo para Nova Zelândia, pelo Ciência sem Fronteira. Não sei eles vão voltar, mas eu e Renata não nos imaginamos indo para São Paulo. Hoje, pela idade, a ideia é estar alcançando um sucesso profissional, uma retaguarda financeira, que me permitisse continuar morando bem e trabalhando no Arraial d´Ajuda, mas que me permitisse viajar um pouco mais, para ir para São Paulo e também conhecer outros lugares. O Arraial d´Ajuda é um caso de sucesso. Tantos destinos foram destinos da moda, duraram alguns anos e caíram no esquecimento ou se deterioraram. Eu acredito que o Arraial d´Ajuda, com todos os problemas, tem uma energia, um charme que encanta as pessoas. Mas precisamos de um direcionamento para o turismo e mais capacitação para os empresários. Não dá mais para vir pra cá na temporada, trabalhar dois meses e passear o resto do ano. O Arraial continua surpreendendo. Um termômetro que a gente tem é o CEAD, onde chega muita gente em busca de escola. É um fluxo constante, num lugar que ainda preserva qualidades, que a gente sendo cuidadoso, dá ainda para acreditar em ter qualidade de vida aqui.  

Bate bola

Signo: Áries

Time: Palmeiras

Hobby: vinhos, para tomar, pesquisar, conhecer, comprar, comparar

Uma música: daria para fazer um CD com várias, que remetem ao passado

Um cantor: Pink Floyd, que me marcou muito

Um livro: Cem anos de Solidão e a Pedra do Reino, do Suassuna

Prato predileto: lasanha, pode ser de beringela

Uma bebida: vinho, inegavelmente

Um lugar especial no Arraial: a Praça da Igreja me emociona

Um lugar especial fora do Arraial: Arraial d´Ajuda é o lugar mais especial do mundo

Uma praia no Arraial: Pitinga

A rua do Mucugê é: a rua mais charmosa do Brasil

A política é: uma decepção e cada vez, uma esperança renovada

O Arraial é: a minha casa

Sorte é: o encontro da oportunidade com o trabalho

Uma pessoa especial: Renata, minha mulher

Uma personalidade: Parracho

Uma saudade: dos tempos da lambada

Uma conquista: meus filhos bem criados

Um sonho: conhecer o Tibet

Um motivo de orgulho: eu me orgulho da minha história

Uma qualidade sua: acreditar em todas as pessoas

Um defeito: acreditar em algumas pessoas

Como você se define: um jovem que tem muito a fazer ainda

Entrevista publicada na edição 363, agosto/15, do Jornal do Sol

Dr. Josdanei Carneiro Silva

O médico Josdanei Carneiro Silva, 47, nasceu em Alagoinhas (BA), de onde saiu, aos 16 anos para abraçar a carreira que lhe traria grandes desafios, mas também a satisfação de fazer amigos, salvar vidas e ajudar muitas pessoas a viver melhor. Casado há 26 anos com a também médica, Ivaneide Andrade Araujo este ano ele experimentou a alegria e o orgulho de ver sua filha Bruna, de 19 anos, ingressar na faculdade de medicina da USP, uma das mais concorridas do país. Mais um capítulo na história de um profissional de sucesso, condecorado recentemente pela Câmara Municipal com o título de cidadão porto-segurense. Reconhecimento merecido ao trabalho incansável dele, que além de médico obstinado, foi um dos fundadores do Hospital Luis Eduardo Magalhães, secretário de Saúde de Cabrália e continua dedicando sua vida ao atendimento de seus pacientes, com toda a nobreza que o ofício exige e merece. Atributos que, aliados a boas doses de humildade, cabem na medida certa em seus 1.92 metros de altura.
Quando foi que você fez opção pela medicina?
Na época em que eu fiz vestibular só existiam duas faculdades de medicina no Estado, a Baiana e a federal, em Salvador. Era um período muito difícil, porque tinha poucas opções. Nunca fiz cursinho e estudei a minha vida toda em Alagoinhas, num colégio que até hoje tenho muito orgulho, chamado Dínamo. Aí eu fiz vestibular em 85, passei e ingressei na UFBA, com 16 anos e me formei em 1990. Eu não me lembro de ter pensado em seguir outra profissão.
E agora sua filha segue o mesmo caminho. É sinal de que ela teve bons exemplos?
Bruna está cursando o primeiro ano de medicina na USP. Ela é esforçada, o mais importante é a determinação. Isso faz a diferença, ela é dedicada, focada e estuda. Se a pessoa se dedicar e fizer de verdade, consegue. O vestibular da USP é bem concorrido e as pessoas que fazem são justamente as pessoas que estão se esforçando realmente. A concorrência é verdadeira. Significa que, apesar dos sacrifícios que a profissão exige, ela teve bons exemplos em casa. E isso é interessante. Talvez a gente tenha conseguido mostrar a ela que esse estilo de vida vale a pena.
E como Porto Seguro entrou na sua história?
Eu tinha feito a minha primeira residência, de anestesia. Aí eu trabalhava como anestesista em Salvador e resolvi fazer cirurgia. Fiz mais dois anos de residência em cirurgia geral e depois mais três anos de urologia, que é uma especialidade cirúrgica. Então eu estava em Salvador e minha esposa já não queria mais morar lá. Eu conhecia muita gente em Salvador e em 99 havia sido construído o Hospital Luis Eduardo Magalhães em Porto Seguro, mas não existiam seres humanos para trabalhar lá. Foi feita então a primeira terceirização de um grande hospital para ser administrado por uma empresa privada. E ganhou uma empresa chamada SM, cujo diretor médico era o Dr. Taciano Campos, que era diretor do hospital de Irmã Dulce, em Salvador. Uma pessoa que era muito minha amiga, trabalhei com ele como anestesista, cirurgião geral e urologista, então ele me convidou para ser o diretor médico do hospital Luis Eduardo. Eu teria que atender também, até porque tínhamos poucos médicos em Porto Seguro. Imagine quantos médicos moravam em Porto Seguro nessa época? Uns 20, não tinha profissionais para gerir e fazer funcionar o hospital. Então o secretário de saúde do Estado, José Maria de Magalhães, médico obstetra e irmão de Antonio Carlos Magalhães, me mostrou o hospital e disse: “meu filho, eu quero que esse hospital seja inaugurado em um mês”. A partir daí eu entrevistei diversos médicos, que hoje moram aqui e em um mês o hospital estava funcionando muito bem. Tinha uma equipe médica extremamente dedicada, porque era considerado uma joia. Eu não conhecia Porto Seguro. Eu vim para conhecer o hospital e pronto, decidimos morar na cidade. Minha filha com três anos de idade e foi minha esposa que deu o aval para virmos pra cá. Viemos abrindo um novo horizonte na medicina, um hospital de complexidade médica, num local onde não existia isso. Eu tenho um carinho enorme por esse hospital.
E como você se sente vendo a situação desse hospital, que você ajudou a fundar?
Eu fico muito triste. Não tinha motivos para o hospital, que já funcionou tão bem, decair, como os colegas dizem que decaiu. O hospital poderia continuar funcionando bem, porque está com os mesmos profissionais. Isso está muito relacionado à questão administrativa, não é uma questão dos trabalhadores do hospital. Se estamos com o mesmo grupo de profissionais e o hospital decai, tem outras coisas mal resolvidas aí.
E hoje, que atividades você desenvolve?
Nos primeiros cinco anos eu passei me dedicando exclusivamente ao HLEM. Me desliguei há pouco tempo do hospital, em função de outras prioridades. Hoje eu me dedico mais ao consultório, mas nunca deixei de trabalhar no setor público. Eu atendo ainda em Cabrália, Belmonte e também no município de Porto Seguro, como cirurgião. Eu mantenho contato com o serviço público, porque acredito que seja uma grande saída.
Qual foi o seu maior aprendizado como secretário de saúde de Cabrália?
Tem uma parte muito interessante, que é a de você poder influenciar positivamente nos processos, na mentalidade das pessoas, em como tratar o bem público. Mas a interferência política é meio danosa. O jogo político, o interesse político vem acima dos interesses da população e da sociedade. Então isso é muito pesado e deixa a gente triste. Para todo mundo que não quer se profissionalizar na política, que não deseja viver dela, o desgaste é grande. Existe uma mentalidade doente tanto do ente político como da própria sociedade, de achar que precisa receber favores e não vê muito a legalidade das coisas. Isso acontece talvez porque as carências são muitas.
Existe uma solução para esse impasse entre a Unimed e o Hospital Neuroccor?
É louvável a decisão da Unimed de parar de vender o plano aqui em Porto Seguro. Só que existe um compromisso com as pessoas que já compraram o plano e a Unimed precisa ter uma resposta para atender as necessidades das pessoas que moram aqui. Não quero entrar no mérito do hospital, mas não é função da Unimed resolver o problema do hospital e não tem outro para ser credenciado. Então a Unimed se viu numa posição difícil mesmo. O hospital, que independente da Unimed deveria funcionar 24 horas, não consegue prestar o serviço que é sua obrigação e ser viável financeiramente. A Unimed não tem esse compromisso com o hospital, mas deve satisfação a seus clientes e ela precisa procurar uma saída para isso. E quando se quer, se consegue, mesmo que se tenha mais sacrifício, por uma questão moral é precisa fazer esse sacrifício.
Como deve ser um bom médico?
Um bom médico não deve ser aquele que tem um monte de medalhas, um monte de cursos. O bom médico é aquele que é bem formado, mas se preocupa com você como paciente. Que se importa com suas fraquezas, com suas dores, se importa com você. O médico bom é aquele que está disponível quanto você precisa dele. Se ele tiver essa preocupação e tiver uma boa formação, as coisas vão se casar muito bem. Não pode ser arrogante, precisa entender que deve estar disponível para a pessoa que procura por ele.
O que é preciso para se manter uma boa saúde?
A pessoa precisa buscar uma vida saudável. O que é isso? Viver acompanhada de gente que ela gosta, isso é fundamental, evitar vícios, como o fumo, que não tem como ser defendido, porque sempre vai ser danoso. E moderação. Quer beber, beba com moderação. E não existe alimento que faça mal por si só, e sim o excesso de um determinado padrão de alimentação, porque isso vai ser prejudicial para a saúde. Além da alimentação saudável e da prática de atividade física regular e moderada, conviver com pessoas alegres, com pessoas boas, porque isso também ajuda na saúde. E fazer visitas regulares ao médico, que também tem a função de afirmar essas orientações. Não é procurar doença, mas conhecer como está esse bem estar do ponto de vista físico, através de exames regulares.
Você também vai ao médico?
Eu me cuido muito do ponto de vista clínico. Faço meus exames periodicamente e não tenho nenhum problema com isso, mas é que no trabalho a gente mesmo acaba fazendo essa parte, mas não é o melhor. O ideal é você eleger um colega que você confie e vá até ele como paciente, não como médico.
Qual é o maior desafio da sua profissão?
O desafio maior do médico é conseguir ter uma rotina que seja saudável e respeite também o nosso limite, porque a demanda é grande. Então o médico precisa se conhecer primeiro, para saber como ele vai trabalhar, porque se ultrapassar os próprios limites, ele estará estressado, mal humorado, cansado e isso poderá prejudicar o atendimento. Um professor meu dizia: “não existe doença, existe doente”. Isso significa que as doenças são conhecidas, está tudo escrito, mas não existe uma doença separada de um ser humano. A doença está inserida num contexto daquela pessoa, emocional, social, econômico, cultural. São várias nuances que influenciam num tratamento e a maior dificuldade do médico é lidar com todas essas facetas.
E quando a pessoa olha a internet e chega dizendo que já sabe o seu problema?
Eu acho ótimo. Eu levo isso em consideração, porque acho que pode ajudar. Uma grande preocupação da minha prática médica é ouvir a pessoa e eu levo em consideração tudo o que ela diz. Eu acho importantíssimo que ela fale. E eu vou avaliar. Às vezes o que ele acha pode ser importante, pode me ajudar muito. Não podemos achar que só nós temos o conhecimento e o outro não. Na verdade o paciente sabe mais do que a gente, porque quem sente é ele. O médico precisa fazer com que a pessoa revele aquilo que está oculto, porque o problema pode vir disfarçado de várias maneiras. Pelo medo, pela história pregressa dele e o paciente tem que se revelar. Medicina, antes de tudo é relação entre pessoas.
E como lidar com as situações negativas?
Felizmente temos mais situações positivas, mas numa carreira de 26 anos, temos também situações negativas. O insucesso acontece quando a doença não permite que você obtenha o sucesso que você gostaria – a gente não tem o controle absoluto da situação – e às vezes pode se dever a suas falhas humanas. E isso dói muito. Mas todo médico tem que conviver e carregar isso na vida, tem cicatrizes.
E na hora de levar uma notícia ruim para o paciente e a família?
Não é fácil não. Mas eu uso da honestidade de novo, que facilita isso. Uma coisa é ser sincero, outra coisa é não tomar o cuidado para não ser rude, não ser cruel. Eu não vou enganar aquele paciente, mas eu vou ter que ter muito cuidado para dizer isso. E é preciso saber também o momento certo para dizer isso.
Você acredita que a fé em Deus ajuda a curar as pessoas?
Eu acho que a fé do paciente ajuda. Eu respeito e acredito que a fé dele é importantíssima.
E para você, que é um profissional respeitado, qual é o segredo do sucesso?
Eu me considero de sucesso sim. Mas não considero que o sucesso é baseado na questão econômica. O sucesso que eu percebo é de ter feito amigos, te ter conquistado pessoas que me querem bem. A gente sente que é querido e isso é que me deixa mais alegre. Eu não fico envaidecido não, porque aumenta a minha responsabilidade, mas me deixa satisfeito. Para se alcançar isso, é trabalho e sinceridade no que se faz. Sinceridade é fazer de forma honesta. E honestidade é realmente estar preocupado com o outro. Às vezes você se estressa, porque não quer que nada dê errado e isso é querer controlar tudo o que está em torno daquela profissão, o que não é possível. Você tem os recursos materiais e também outros profissionais, que são os especialistas, o pessoal da enfermagem, da nutrição, o pessoal do próprio hospital. Então é bem complexo.
E qual é a maior recompensa dessa profissão, às vezes sacrificante?
Se relacionar com pessoas, não tem recompensa maior. Um médico que não gosta de se relacionar, vai ter dificuldade de exercer a medicina. Médico precisa gostar de gente.

Bate bola

Signo:
libra
Hobby: voar
Uma música: “Metamorfose Ambulante”, de Raul Seixas, sempre me tocou
Um livro: “Cem anos de solidão”, já li três vezes
Prato predileto: arroz, feijão e carne frita
Uma bebida: cerveja, bem com moderação
Um lugar especial em Porto Seguro: o Fly Club, na Praia do Mutá
Um lugar especial fora de Porto Seguro: a Flórida, nos Estados Unidos
Uma pessoa especial em sua vida: minha esposa
Uma saudade: meu pai, mais saudade que tristeza
Uma conquista: as amizades, quando tudo está difícil, elas fazem a diferença
Voar é: liberdade
Um sonho: ver a medicina de Porto Seguro, pública e privada cumprindo a função dela, de acolher e tratar as pessoas
Um motivo de orgulho: minha filha
Um defeito: eu sou indeciso
Uma qualidade: honestidade, sinceridade
Como você se define: uma pessoa que ainda tem muita coisa a aprender

“Viver acompanhado de pessoas que a gente gosta, conviver com pessoas alegres também ajuda na saúde. E evitar vícios, como o fumo, é fundamental.”

Ilma Ramos Santos Falcão

A advogada Ilma Ramos Santos Falcão, 51, nasceu em Taguatinga/DF, mas tem alma e coração porto-segurenses. Um dos seus orgulhos é dizer que a família é natural da Terra Mater, o que se estende por várias gerações. Com um invejável currículo que inclui a luta pela criação e a liderança de várias entidades e associações comunitárias, Ilma é hoje Conselheira Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente do Clube da Melhor Idade Alegria de Viver. Mãe de Antônio Valdo Júnior, 28, Alexandre, 26 e Augusto, 22, essa guerreira faz a diferença ao levantar a bandeira da luta por justiça no relacionamento entre patrões e empregados, mas, acima de tudo, na defesa dos direitos humanos.
Como sua família chegou a Porto Seguro?
A minha família é de Porto Seguro. A Casa da Lenha era do meu bisavô. Não era Casa da Lenha. Recebeu este nome porque houve um período em que ficou abandonada e Jacó pegava as lenhas e guardava nesta casa. O nome original é Solar dos Ramos. Quase todas as famílias porto-segurenses são meus parentes. A Filarmônica é da minha família, o estaleiro de barcos começou com meu bisavô, a Farmácia Zelito Vieira, que foi uma das primeiras, era de um ascendente dele e parou com ele. Minha família toda é de Porto Seguro.
Como foi sua infância na cidade?
Quem conseguiu ter a infância como a minha jamais vai ter depressão ou ansiedade, porque foi muito alegre, muito criativa. A gente participava de várias peças teatrais, era todo mundo igual, não tinha distinção, a gente brincava na rua, em árvores. As amendoeiras eram nossas casas. Brincávamos de comadre, íamos visitando as outras nas suas casas, que eram os galhos das árvores. Pulávamos do trampolim do cais, jogávamos bola na Coroa. Naquela época não tinha balsa, só a embarcação de seu Carlinhos. Quando ele transportava as pessoas e a bola da gente caía no rio, ele passava e pegava. As escolas (públicas) funcionavam de forma satisfatória. Eu estudei a minha vida toda em escola pública e não reclamo disso. Sou a favor do ensino público gratuito. Quando criança, todas as nossas salas de aula eram reformadas pela Marinha, todo ano tinha motivo para estar na sala de aula, porque estavam todas limpas, arrumadas, muito bonitas. O colégio municipal e o estadual eram num local só. Depois separou. Foi uma infância muito feliz. Família, a gente faz a festa.
O que melhorou e o que ficou pior nos dias de hoje?
O progresso é inevitável. Tanto o espiritual quanto o material. Se você for fazer uma pesquisa com seus antepassados, como eles passavam roupa, como lavavam prato, vai ver essa evolução. No tempo da minha avó, os ferros de passar eram com brasa e fole. Eu acho que economicamente, a cidade melhorou. Era uma cidade pacata, as pessoas ganhavam pouco e viviam uma vida simples. O capitalismo não estava tão entranhado antes do boom turístico.  A vida era mais calma, mais segura, as delegacias não tinham ninguém presos. Muitas festas culturais, as pessoas viviam em paz, com portas abertas, não tinham medo de ladrão, era tudo pela amizade. Íamos de casa em casa cantando: “Ô dona da casa, por Nossa Senhora, dá-me de beber”. No Carnaval tinha umas caretas na rua. Em Porto Seguro só havia quatro bairros: Pontinha, atual Passarela do Álcool; Ponta da Areia, da Igreja Nossa Senhora do Brasil até a Praça da Bandeira; a Passagem, na atual Praça da Bandeira, era onde eu morava, e o Paquetá. Não existia o Pacatá. A gente disputava baleado e futebol. Era muito calmo. Quem viveu aqui naquela época não tem do que reclamar.  Mas ainda acho que o turismo poderia ser bem melhor, porque é o mais barato do país. As pessoas que vêm para cá gastam pouco, numa cidade tão maravilhosa como a nossa, não é? Mas o progresso melhorou a qualidade das escolas e as possibilidades de estudo.
Onde você se formou e porque a opção pelo Direito Trabalhista?
Quando eu era criança não queria ser professora. Naquela época ou casava logo cedo, ou se tornava uma professora. Tinha um curso na Emarc (Escola Agropecuária Regional da Ceplac). Aos 16 anos, passei no curso de Engenharia de Alimentos, em Uruçuca. Na minha época a gente conseguiu levar a Emarcs a outros lugares, como Valença, Itapetinga e Teixeira de Freitas. Fiz vestibular para Direito, por sugestão do meu irmão e passei. Na época era a Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi), hoje Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Eu me formei em 1987 e a nossa turma foi quem levantou a bandeira da estadualização da universidade. A opção pelo Direito Trabalhista é porque conheço meu lado inquieto. Gosto que as coisas andem, principalmente no poder público. Ele tem que funcionar da melhor forma possível, porque quem trabalha lá ganha do povo para isso. Morei em Itabuna, casei e voltei para Porto Seguro, onde quase todo mundo que trabalhava no fórum era amigo de infância. E pensei: sabe de uma coisa, para não criar indisposição e inimizades, vou optar pela Justiça do Trabalho, que era em Eunápolis. Todo mundo quando se forma é um clínico geral, não é? Foi muita ousadia minha optar por uma área e ficar nela até hoje. Eu ia e voltava todos os dias. Cheguei à presidência da OAB, queríamos trazer a Vara de Trabalho de Porto Seguro e conseguimos. É a primeira vara daqui da região com nome de um advogado, porque todos têm nome de juiz. A gente conseguiu homenagear o advogado Gilberto Gomes. E agora não preciso ir até lá. Hoje faço parte do Conselho Estadual da OAB, buscando melhorar o aparato jurídico da nossa cidade e do nosso estado, para que a gente possa tentar como parceiros, melhorar os serviços jurídicos de todo o estado e quiçá de todo o Brasil.
Quais são as principais queixas dos trabalhadores que você atende?
Todos os direitos trabalhistas. Aqui, a maioria deles não é respeitada. Quando eu comecei era bem pior. Hoje, a cada dia está melhorando. Na minha época, nem os sindicatos funcionavam; hoje eles estão atuando. Quando a classe se organiza, as coisas acontecem. Hoje tem sindicatos patronais e de empregados. Eles se queixam mais de falta de recolhimento de FGTS, de previdência, coisas básicas. A maioria deles extrapola horário de trabalho, jornada extraordinária, sem pagamento das parcelas. A Justiça do Trabalho está aí para garantir as necessidades básicas, porque as ações trabalhistas têm caráter elementar e por isso têm que ter celeridade. Muitas vezes a pessoa fica sem comer, porque está com o salário retido. As empresas não estão cumprindo com as obrigações de empregadoras, como pagar aviso ao demitir, depositar o FGTS ou liberar seguro desemprego. Algumas dispensam mulheres grávidas, mas as arbitrariedades estão diminuindo. Isso significa que a cidade está se conscientizando e respeitando mais os trabalhadores.
E quais são as reclamações dos empresários?
O excesso de encargos, são vários encargos. Está muito caro manter um empregado. É disso que eles reclamam. Numa cidade de economia sazonal fica difícil. Ganha-se durante três meses do ano, para aguentar os doze.
Conte um pouco da sua experiência comunitária em entidades locais
Sou uma ativista social. Sempre gostei de provocar mudanças para melhor. Porto Seguro é a cidade mais antiga do país, por isso tinha que ser a vitrine do mundo. Tudo tinha que ter aqui e ser ramificado para outros lugares depois. Conseguimos trazer a Delegacia da Mulher. Por que Porto Seguro não tinha uma Delegacia da Mulher? Há quantos anos havia sido criada? Mas até hoje, a delegacia trabalha de forma precária, porque não temos casa abrigo, assistência, um aparato para que ela possa funcionar. Ela funciona com o espírito de Hércules das delegadas que têm estado lá. A sociedade foi quem construiu a delegacia. Um espaço que já existia e a gente reformulou para funcionar como a Delegacia da Mulher. Algumas pessoas deram portas, outras doaram ladrilhos, foi uma luta grande da sociedade unida para ver funcionar. Agora a luta é para trazer a Delegacia do Idoso. Se tem em outro lugar, tem que ter aqui. Se dá certo em outro lugar, porque não pode dar certo aqui? Já existe Delegacia da Infância e da Adolescência, mas aqui não tem até hoje. Não temos uma Delegacia de Meio Ambiente. A tão almejada Universidade Federal, quando eu estive na presidência da OAB (por duas gestões, de 2003 a 2006), mandamos mais de cinco mil assinaturas, na época, em prol da causa. No Clube da Amizade, que era uma associação só de senhoras, tínhamos 33 mulheres. Oferecíamos aula para portador de deficiência visual, trouxemos o Braille para cá e depois de tudo instalado, deixamos a tarefa com o município, de quem é a responsabilidade. Tinha aula de tricô, costura e atividades de evangelização com temas transversais. O Clube da Amizade, formado desde 1980, empresta a sede ao Clube da Melhor Idade, que tem 17 anos. Quando Sila era presidente, eu ajudava. Com o falecimento dela, fui eleita presidente do Clube da Melhor Idade, já que o nosso estatuto diz que acima de cinquenta anos já pode participar, votar, ser votado. Temos aproximadamente 100 membros, fazemos reuniões mensais, com ciclo de leitura, reflexões, dinâmicas, e também fazemos festas temáticas de aniversariantes, como bolo, festa, dança e muita alegria. A primeira associação de professores de Porto Seguro tem a minha contribuição, porque eu também fui professora aqui.
Você foi candidata à prefeita. Qual foi a grande lição dessa experiência?
Foi em 2003. A experiência foi válida, veio o anseio popular, todo mundo buscando. Eu era filiada ao PT e quando você está filiado a um partido, você fica à disposição dele. Na época houve um clamor, e surgiu meu nome. Eu acabei ganhando nas prévias e fui escolhida. Foi bom porque eu conheci esse município de ponta a ponta e vi que a carência é grande. Já melhorou um bocado. Antes tinha problema de distribuição de energia, de água, muitas fazendas não tinham energia, mas com o Luz para Todos melhorou muito. Foi um aprendizado, uma luta válida. É importante, mas hoje eu não valorizo mais partido.  E hoje, há um descrédito popular. O PT poderia ter feito grandes melhorias em Porto Seguro, já que teve a gestão de Lula, tem a gestão do estado e a de Dilma a favor. Mas não houve grandes mudanças. Gosto da frase: “Somente aprende quem tem coragem de abandonar o velho e mergulhar de cabeça no novo, mesmo com toda vertigem que o salto provoca”.
Como presidente do Clube da Melhor Idade, o que falta para o idoso viver melhor em Porto Seguro?
A primeira coisa é ter os seus espaços respeitados. Saúde de qualidade, prioridade no atendimento, lazer voltado para o idoso, espaços físicos já preparados para ele, sinalização de rua, um Conselho Municipal do Idoso forte, uma Secretaria Municipal do Idoso forte. Quem acredita um dia chega lá. Para ter os seus direitos respeitados, o idoso precisa ter todo o aparato.
E o que falta para Porto Seguro ser uma cidade melhor para quem vive aqui
Segurança, o tema mais comentado nessa época, porque as pessoas andam muito temerosas. Tanto assalto e tanta morte! A gente não pode culpar o aparato policial, porque é muito reduzido para um município tão grande como o nosso. Só melhora na época de Carnaval e Réveillon, mas isso deveria ser constante. Policiais em todos os bairros, com viaturas nas ruas. Quando eu era criança, as polícias faziam ronda a pé, hoje eu não vejo mais esse tipo de ronda. E nas praias não temos salva-vidas.  A natureza foi bem generosa com a nossa cidade, mas precisamos gerar mais emprego e renda, para que todo mundo possa suprir suas necessidade básicas, como alimentação e moradia.

Jogo Rápido

Signo: Libra

Um hobby: cinema

Um cantor: Caetano

Um livro: Admirável Mundo Novo

Um prato predileto: mariscada

Uma bebida: água de coco

Um prazer: dançar

Um lugar especial em Porto Seguro: praia de Ponta Grande

E fora de Porto Seguro: Guaiú, em Santo Andre, Santa Cruz Cabrália

Uma pessoa especial: minha mãe, Ivone, de 80 anos

Uma personalidade da cidade: admiro meu irmão Aziz Ramos

O Direito é: essencial à vida

A justiça é: primordial

O trabalho é: fundamental

Uma causa ganha: três filhos maravilhosos

Uma causa perdida: perda de irmãos

Um arrependimento: nenhum

Um medo: nenhum

Um orgulho: criar três filhos maravilhosos, conscientes e em busca de uma igualdade social

Um agradecimento: à família. Se hoje sou o que sou é graças à família

Uma mágoa: nenhuma

Um sonho: ver que as oportunidades cheguarem a todos, sem distinção.

Uma qualidade sua: alegria

Um defeito: falar demais

Como você se define: uma pessoa alegre, proativa e satisfeita com a vida, porque me considero profissionalmente bem sucedida, uma mãe bem sucedida, uma irmã.

Felicidade: é a paz de espírito, de consciência

 

 


Entrevista publicada na edição 346, março/14

Manoel José dos Santos

Há cerca de 14 anos, quando cumpria mais uma jornada de trabalho em uma grande empresa de São Paulo, o então montador de equipamentos eletrônicos, Manoel José dos Santos, sofreu um mal estar que mudaria profundamente a sua vida. Portador de diabetes tipo 1, após ficar 15 dias entre a vida e a morte e de perder o movimento de uma das pernas, ele decidiu voltar para a sua Bahia. Nascido em Buerarema, Manoel e sua esposa Diva escolheram Porto Seguro para viver e criar os filhos Felipe, Catiane e Janaina.
Aposentado, ao encontrar pessoas com problemas semelhantes e outros mais graves que o seu, Manoel assumiu a bandeira de pessoas que como ele, lutavam para ter uma vida melhor, apesar das limitações físicas. Hoje, aos 43 anos, como fundador e presidente da Associação dos Deficientes, ele se orgulha e agradece a Deus por estar vivo, enquanto alimenta o sonho de construir a sede da associação, nem que seja essa a sua última missão. 

Como você chegou a Porto Seguro?
Eu moro em Porto Seguro há 14 anos. Assim que eu me aposentei em São Paulo, eu falei para a minha esposa: “vamos voltar para a Bahia”. Quando eu cheguei aqui e vi o sofrimento daquelas pessoas portadoras de necessidades especiais, fui avaliando o caso de cada um, e procurei um jeito de fundar uma associação. Porque eu passei pela mesma situação que eles passavam. Como eu sabia mais das leis, aí eu pensei, “eu posso ajudar essas pessoas”. Um dia eu fui pegar um coletivo e o cobrador queria que eu pagasse a passagem. Aí eu falei “eu não vou pagar, porque a lei está comigo”. Então eu procurei o Ministério Público, na pessoa do Dr. Maurício Magnavita, que sempre nos ajudou muito apoiando. Então nós fomos evoluindo e hoje as pessoas ainda têm dificuldades, como o passe livre, mas melhorou muito.
O passe livre foi uma conquista de vocês...
Infelizmente o passe livre aqui deveria ser feito pela prefeitura ou pela Associação dos Deficientes. Mas o que acontece é que as pessoas pegam um laudo médico, a prefeitura manda para a empresa e lá eles fazem o que eles querem, contrariando a lei. Outra coisa que tem que ser revista é a Lei Orgânica Municipal, porque a empresa se aproveita dessa lei. A pessoa só tem o passe se faltar um braço, uma perna, andar de cadeira de todas ou de muleta. Mas não pode ser assim, tem vários tipos de deficiência e precisamos trabalhar esse tipo de coisa. É até chato falar isso, mas infelizmente, em pleno século XXI, a gente ainda sofre muito preconceito.
Qual foi o acontecimento que fez de você uma pessoa com deficiência?
Sou diabético do tipo 1, desde criança e essa diabetes foi complicando a minha situação. Então eu fui para São Paulo para me tratar, consegui um emprego e acabei ficando por lá. Trabalhei muitos anos de pé, em salas geladas e a diabetes me paralisou a perna. Eu fiquei 15 dias na UTI e quando eu sai, não andei mais. Eram 11 horas da manhã, eu estava trabalhando numa linha de produção, quando passei mal. Aí um amigo meu viu e falou assim, “Manoel, nossa você está mal”. E eu estava me sentindo muito mal mesmo. Aí naquele momento eu fui até a enfermaria e o pessoal estava almoçando. Quando subi o último degrau da escada eu já caí e várias caixas de computador caíram em cima de mim. A sorte é que as caixas estavam vazias. A partir dali eu não vi mais nada e já entrei em coma. Aí eu fui socorrido, fui para o pronto socorro do hospital e depois para a UTI. O médico já ia me aplicando glicose, e minha glicose estava em 645 mg. Se ele tivesse aplicado eu teria morrido naquele momento. Mas Deus pôs a mão no meio e meu amigo chegou na hora com um resultado de exame. Aí eu fiquei na UTI por 15 dias, fui me recuperando. Eu tinha convênio de saúde, aí fiz bastante fisioterapia e diversos exames que foram até para os Estados Unidos. Aí o médico falou: “Manoel, sinto muito lhe dizer, mas o seu caso provocou uma paralisia na sua perna.”
Mas hoje você leva uma vida normal...
Ah, graças a Deus, eu ando com as muletas e faço ajudar as pessoas. Eu tomo insulina, a gente vai se acostumando (risos). Eu tenho um aparelho que eu meço e vou controlando.
Qual é a fonte de renda da entidade?
Hoje temos uma média de 400 associados. Isso porque nem todos os deficientes de Porto Seguro são associados, porque se fossem, a gente passava de 2000. São pessoas com problemas mentais, visuais, e outros tipos de problemas físicos. Nós não temos recursos. A associação paga as dívidas através da ajuda da Vara Crime. Para as pessoas que cometem determinados delitos, o juiz determina que essas pessoas depositem recursos para a associação x. É tipo um rodízio com outras entidades. E é assim que pagamos as contas, mas a gente não recebe do próprio deficiente.
Durante todos esses anos, para você, qual foi a maior conquista da associação?
A nossa maior conquista foram os ônibus adaptados. Foi uma luta vitoriosa nossa e Porto Seguro é a primeira cidade no Extremo Sul da Bahia contemplada. Infelizmente ainda não são todos os ônibus, mas por lei toda a frota deveria ser adaptada. Muitas vezes o ônibus adaptado está quebrado e as pessoas ligam o tempo inteiro para a associação. Aí procuramos a empresa e ela diz que vai ver, que vai arrumar.
Vocês agora estão querendo construir a sede da entidade...
A associação funciona num imóvel que é da minha propriedade. Eu cedo o espaço, sem cobrar aluguel. Só que hoje nós temos um terreno doado pela prefeitura, uma área de 800 metros quadrados, que fica no Baianão, em frente à praça do Trabalhador. Já temos o projeto prontinho e estamos aguardando doações para que possamos construir a nossa sede. Essa sede vai beneficiar muitas pessoas, as crianças, as famílias, porque vai ter piscina, vamos ter fisioterapeuta, cursos de formação, tudo para ajudar os associados. Agora estamos precisando de apoio, não só dos empresários, como do poder público. Queremos oferecer cursos de informática, artesanato e outros projetos, para que o portador de deficiência saia preparado para o mercado de trabalho.
Qual é o custo da obra?
A associação não é minha, ela é do povo. A nova sede vai custar um milhão de reais para ser construída e se a gente conseguir construir, ela não é minha, ela é do povo. Eu não sou dono de nada. Eu sou dono da minha casa. Quem quiser colaborar, o nosso endereço é rua 19 de novembro, 448, Bahianão, fone 3268-1058. E temos uma conta corrente no Banco Itaú, Ag. 1648 Conta 18234-1. Quem quiser e puder, também pode ajudar com material de construção. Já conseguimos a doação de mil lajotas. Mas a gente reconhece a situação que enfrentamos hoje no país. Sei que não é fácil conseguir 1 milhão, mas eu sou um homem de muita fé e acredito que vamos conseguir, nem que seja a minha última missão nessa vida.
A lei exige que as empresas com 100 ou mais funcionários contratem pessoas com deficiências. Mas elas alegam que não conseguem. Por que isso acontece?
Nós já empregamos muitas pessoas, que trabalham na Gol, Sinart, Cambuí, Club Med, La Torre e outras. Veja bem, se a pessoa ganha um salário mínimo, sem trabalhar, como ela vai ganhar um salário mínimo para trabalhar, ainda correndo o risco de perder o benefício e o emprego? Essa é a dificuldade. A solução seria oferecer uma melhor remuneração. A questão do estudo também é uma dificuldade. Eu tenho um amigo que é administrador de empresas e uma empresa ofereceu para ele um salário mínimo. O mercado não valoriza. Eu queria falar também que a gente, que é deficiente, quando entra num comércio não tem a mesma atenção. Quando um deficiente entra numa loja, as pessoas pensam que ele vai pedir e não vêm como alguém que pode comprar.
E quais são as maiores dificuldades que o portador de necessidades especiais enfrenta para viver em Porto Seguro?
A primeira delas é a acessibilidade, pelo amor de Deus, precisa melhorar muito. Se você tem uma rampa, os motoristas estacionam em frente, nem todo mundo respeita. Outra dificuldade é a questão da prioridade, que dizem que temos, mas não temos de fato. Já me deixaram esperando um dia inteiro por uma consulta médica. Quer dizer que eu uso as muletas porque eu acho bonito? Um dia eu estava de pé e uma senhora veio me dar cinco reais. Eu olhei para ela e disse: “dona, muito obrigado pelo seu bom coração, mas eu não estou pedindo”. Às vezes a pessoa nem faz por maldade. Claro que tem muito deficiente que pede, e isso eu não concordo. O deficiente tem o seu benefício e não precisa pedir. Eu sei que o salário é pouco, mas não tem precisão de pedir, porque o benefício é para ele mesmo.
Qual é a sua maior recompensa de desenvolver esse trabalho?
A maior recompensa que eu tenho é do meu Deus, que está sempre comigo, me dando força, coragem, pra mim e minha esposa. Porque a minha esposa é uma excelente mulher, ela é uma guerreira, que cuida da associação como se ela fosse deficiente também. Ela conhece, empurra uma cadeira de rodas sem ter a vergonha de ser vista ali, ela briga, ela luta, ela chora, faz tudo pela associação. Muitas pessoas admiram o nosso trabalho por causa disso, a gente não faz nada por dinheiro. Não somos remunerados por esse trabalho, fazemos por amor. A gente ganha o amor de Deus, as bênçãos e tá bom assim. Eu sou católico, participo das missas com minha esposa e minha maior alegria vai ser quando a conseguirmos construir a nossa sede.

Jogo rápido

Signo: Sagitário
Time do coração: Palmeiras
Um hobby: passear e ver esporte na TV
Um cantor: Milionário e José Rico
Prato predileto: feijoada
Uma bebida: cerveja
Lugar especial em Porto Seguro: Trancoso
E fora de Porto Seguro: São Paulo
Personalidade da cidade: várias, mas tenho muita consideração por Ronaldo Torres
Ser especial é: ser feliz
Ser normal é: eu me considero normal
Preconceito: está na cabeça do ser humano, mas quem tem, é porque não pensa
Motivo de orgulho: estar vivo
Um sonho: construir a sede da nossa entidade
Um agradecimento: a Deus, por ter me dado a chance de estar de pé aqui hoje
Qualidade sua: paciência
E um defeito: quando me tiram do sério eu sou muito nervoso
Como você se define: sou uma pessoa de caráter
Felicidade é: estar com minha família, ser considerado e abraçado por todos