“Acqua alle corde!”

Publicado na ed. 400 do Jornal do Sol

Uma história engraçada, que pode nos orientar às vésperas das eleições

Em 1586, o Papa Sisto V resolveu colocar no meio da praça de São Pedro, no Vaticano, um obelisco de 40 metros de altura e 350 toneladas de peso. Imagine-se o tamanho da operação: foram recrutados 800 homens, muitos cavalos; recolhidos paus e tábuas para andaimes enormes e sobretudo muitas e muitas cordas. Centenas de curiosos tomaram contas dos arredores, rindo, falando, opinando, tanto que o Papa, aborrecido, mandou erguer diversos patíbulos, dando a ordem para enforcar, na hora, quem tivesse aberto o bico.

Finalmente, no mais absoluto silêncio, o mastodôntico obelisco, começou a ser levantado. Chegando, mais ou menos, aos vinte metros do solo, um certo Brescia, desconhecido pescador idoso, começou a gritar: “acqua alle corde, acqua alle corde!” (botem águas nas cordas, botem água nas cordas!”. O engenheiro chefe da operação, percebendo que as cordas estavam se esticando demais e poderiam se romper se não fossem logo molhadas, ordenou que fossem rapidamente jogados baldes de água nas cordas que assim retomaram a necessária rigidez que permitiu o bom êxito da operação. O papa reconheceu que os gritos do Brescia salvaram o obelisco e, no lugar do patíbulo, deu ao pescador uma polpuda recompensa, para ele e a descendência dele, que ainda hoje tem o privilegio de servir no Vaticano. E obelisco está ainda hoje embelezando a famosa praça.

Hoje temos quem grita?

Muitas coisas estão se quebrando no Brasil. Os servidores se tornaram usurpadores do patrimônio da Nação.  O silêncio, a complacência, ou a conivência permitem que a corrupção se torne endêmica e que a desculpa da governabilidade seja aceita pelo povo, tanto que a propina tomou o lugar da concorrência e da competência deixando assim que os recursos dos impostos sejam engolidos sem que o povo seja beneficiado. 

A propaganda política não passa de farsa oratória; não se apresentam programas, ou projetos ou propostas; apenas promessas, privadas de conteúdo e fundamentos. É absolutamente indispensável que o povo grite, denuncie, apresente alternativas e propostas sem engolir mais nada desses políticos. Sem esta coragem de excluir não apenas as “fichas sujas “reconhecidas pela justiça”, mas também os “profissionais” do voto, os que fizeram das eleições o meio fácil de se enriquecer, à custa da miséria do povo. Os candidatos que prometem, sem nunca dizer de onde conseguiriam as verbas, então, estão mentindo.

Bertolt Brecht, o grande dramaturgo alemão, muitas vezes, costumava colocar o povo, a plateia mesmo, para que intervisse na peça. Chegou a hora de realizar esta ideia, colocar um basta na “teatrocracia” dos políticos que monopolizam o palanque da propaganda, passam a trama das promessas sem fundamento, deixando para o povo o inútil e único papel de aplaudir. Indispensável o povo intervir, falar, propor; não engolir.


Antonio Tamarri é professor de História e Teologia